domingo, dezembro 30, 2012

A nostalgia de Leos Carax

Herdeiro directo da Nova Vaga francesa, Leos Carax continua a sua deambulação por um cinema inevitavelmente (e, apetece dizer, intransigentemente) nostálgico este texto foi publicado no Diário de Notícias (23 Dezembro), com o título 'A infinita nostalgia da Nova Vaga'.

O realizador Leos Carax nasceu em 1960, quer dizer, numa época em que os primeiros filmes da Nova Vaga (O Acossado, de Godard, Os 400 Golpes, de Truffaut, etc.) marcavam de forma decisiva a paisagem do cinema francês. A data envolve qualquer coisa de inevitavelmente simbólico, sobretudo quando avançamos até 1984 e descobrimos Boy Meets Girl, primeira longa-metragem assinada por Carax. De facto, nessa história de um amor assombrado, encenada em nostálgicas imagens a preto e branco (assinadas por esse notável director de fotografia que foi Jean-Yves Escoffier), descobrimos a energia paradoxal de alguém que, embora afirmando as singularidades da sua geração, não abdica de explicitar uma filiação, estética e mitológica, nas atribulações da Nova Vaga: Carax é um discípulo que não se fica pela citação dos mestres, relançando os seus desafios de linguagem.
Em 2012, o filme Holy Motors surge como mais um capítulo dessa infinita “dependência”. Através das bizarras deambulações de Denis Lavant (actor fetiche de Carax), deparamos com uma visão do tecido urbano em que, muito à maneira do “espírito” crítico de alguns títulos marcantes da Nova Vaga, a pulsão realista pode coexistir com o mais inclassificável delírio surrealista. Por mim, confesso que prefiro o desencanto romântico que Carax leva ao paroxismo em Pola X (1999); seja como for, Holy Motors é um objecto de pura e salutar resistência a qualquer formatação do olhar, celebrando o cinema como um jogo obstinado entre as nossas heranças e a urgência do presente. Para que o quadro fique completo, Carax integra no seu elenco Édith Scob, actriz lendária de La Tête contre les Murs (1959) e Les Yeux Sans Visage (1960), dois filmes do mais “não-alinhado” autor da Nova Vaga: Georges Franju.

>>> Édith Scob em duas imagens separadas por 52 anos: Les Yeux sans Visages + Holy Motors.