terça-feira, novembro 06, 2012

Novas edições:
Miguel, Kaleidoscope Dream

Miguel 
“Kaleidoscope Dream” 
RCA Records 
5 / 5

Parte da eventual desvalorização que o valor da noção de carreira de alguns nomes nos espaços da pop e do r&b têm conhecido desde finais dos noventas pode em parte justificar-se pela forma como a presença da assinatura dos produtores se tornou ali mais visível e marcante que a dos próprios artistas... Não que tenham todos feito discos menores (pelo contrário, houve episódios notáveis), mas o sentido de autor tão caro à história da música popular (e note-se que o vincar de personalidade em figuras-intérpretes como um Elvis não são a regra) desvaneceu-se em algumas frentes, a voz escutada sendo muitas vezes a que está do outro lado da mesa de gravação. Não que, repito, isto faça discos menores (entre os Neptunes e Timbaland, por exemplo, podemos recordar títulos sem os quais não se conta a história da música popular). Mas quem é aqui valorizada é a figura do produtor. Pelo que a vontade em acompanhar carreiras aponta mais para quem produz que para muitos dos nomes que afinal surgem nas capas dos discos (e cujas obras acabam muitas vezes reféns dos produtores com quem querem ou podem trabalhar)... O evidente contrariar deste cenário é apenas um dos motivos pelos quais Miguel se afirma como uma voz a seguir com atenção no atual panorama r&b. Natural de Los Angeles, filho de um mexicano e de uma afro-americana, Miguel Jontel Pimentel (assina apenas Miguel) afirma-se, com este seu segundo álbum, entre as figuras de uma nova geração que parece estar a colocar outros valores no mapa (e o facto de serem diferentes entre si e de definirem em seu redor os seus espaços e públicos, vincando diferenças, só os valoriza individualmente e torna mais vibrante o momento). Dois anos depois de uma estreia ao som de All I Want Is You propõe em Kaleidoscope Dream uma visão que assenta numa voz herdeira das lições clássicas do r&b, mas atenta a um mundo feito de diálogos, partilhas e informação, onde os valores transcendem velhas noções de fronteiras de género na música. E, tal como Prince o fez para o funk entre álbuns notáveis que lançou de 1982 a 1988 ou Kanye West para o hip hop em tempos mais recentes, neste novo disco Miguel mostra como o r&b é para si um ponto de partida, não um destino. Quem fala mais alto aqui é a sua voz criativa, que aceita heranças, mas não as faz santo de altar. Transforma, interfere, cruza dados. Toma muitas vezes a guitarra como side kick, usando todavia as electrónicas com um saber cenográfico que tanto capta ensinamentos “alterados” do grande livro do psicadelismo ora linhas mais precisas que o ajudam a moldar cada canção a um lugar peculiar, com um sentido de mise en scène que não parece adepto da repetição de soluções. Kaleidoscope Dream é, como o título sugere, um mundo caleidoscópico de acontecimentos. De sonhos feitos canção, onde a suavidade e personalidade emotiva do canto dá o tom e comanda as operações, mas o gosto em compor e moldar as formas das  revela um sentido de desafio. Adorn, o espantoso single que abre o alinhamento, aceita heranças de um Marvin Gaye (via sugestões que evocam o seu Sexual Healing). Em Don’t Look Back, entre um som electrónico mais encorpado cita Time Of The Season dos Zombies. No tema-título cita Labi Siffre... Em Where’s The Fun in Forever recupera os diálogos entre a soul clássica e o hip hop que fizeram escola em finais dos anos 80 e inícios de 90. Cruza assim tempos e referencias, caminhos e estilos. Ciente de uma genética, mas mais focado numa demanda pessoal que numa mera aplicação de regras. Do conjunto emergindo um disco que, como poucos, traduz uma personalidade. Há muito que o r&b não nos dava um disco assim.