quinta-feira, outubro 11, 2012

Vidas presentes que olham o passado

São três formas de olhar o passado, as que partilham como espaço a paisagem árida do deserto do Atacama (no Chile) que Patricio Guzman toma para um documentário que, fiel a caminhos centrais da sua filmografia, foca atenções em memórias do regime de Pinochet. Nostalgia For The Light é contudo um filme que mostra uma outra forma de lançar um olhar sobre uma realidade histórica e política. E ao tomar a busca incessante de mães, irmãs e mulheres que, entre a paisagem desolada do Atacama buscam corpos de antigos opositores do regime como destino do seu olhar, o filme repara nas semelhanças (e também nas diferenças) da forma de olhar para o passado, no mesmo lugar, que desenvolvem os astrónomos ao serviço dos vários observatórios ali instalados e os arqueólogos que dão graças às condições de preservação que um regime climático tão seco garante e que ali buscam sinais de antigos migrantes dos tempos pré-colombianos.

O filme começa junto a um velho telescópio alemão em Santiago do Chile, espaço para que a voz do próprio realizador nos contextualize no tempo, no espaço, sob coordenadas da sua vida pessoal. Ruma depois ao Atacama, escutando primeiro um astrónomo, que explica porque tudo o que vemos, na verdade, é o passado (afinal a luz leva tempo a ir de um ponto a outro, nem que milissegundos quando falamos de distâncias curtas). Depois um arqueólogo, que nos dá conta dos velhos migrantes que passavam pela região. Mais adiante um arquiteto, em tempos preso político num campo de concentração que o regime de Pinoctet instalou nas instalações de uma velha mina. E só então as mulheres que, de pás nas mãos, procuram entre o solo as memórias daqueles que perderam.

Todos fazem do passado a razão de ser do seu presente. Todos convergem àquele espaço. Dali saindo análises da composição das estrelas. Dali saindo os restos de velhos habitantes que hoje estão guardados em arquivos de museu. E os corpos achados dos opositores do regime que regeu o Chile depois de 1973 e que, também em caixas, mas noutros arquivos, aguardam antes quem os identifique. Com uma espantosa direção de fotografia, estabelecendo claros contrastes entre a contemplação de uma paisagem que tem tanto de bela como de desolada e os rostos próximos daqueles que escutamos, Nostalgia For The Light é na forma um documentário bem longe das tendências atuais mais dadas a olhar imagens, observando textos nos contextos sem que entrevistas e narrações entrem em cena. Pois aqui há entrevistas. Há narração. Mas há também um fortíssimo ponto de vista. Uma proposta inédita de abordagem a um tempo e um lugar. Uma história (ou várias que de cruzam). E, no fim, um filme absolutamente imperdível. Que agora vai chegar ao formato de Blu-Ray.