1. Na magia instantânea da Net, sem códigos estáveis nem fronteiras geográficas, muitas vozes se têm levantado contra o facto de, num dos concertos da MDNA Tour (Los Angeles, Staples Center, 10 Out.), Madonna ter inscrito o nome "Malala" nas suas costas — cantou Human Nature e disse: "Esta canção é para Malala."
2. Que Madonna seja uma criatura que divide opiniões, sensibilidades e pensamentos, eis uma evidência rudimentar que tem exactamente 30 anos (recorde-se que o seu primeiro single, Everybody, surgiu, precisamente, em 1982). E que o seu muito noticiado striptease nesta digressão seja tema de eleição para todo o jornalismo de "escândalos", eis o que já não surpreende, tanto mais que esse mesmo jornalismo aceita passivamente ou, muitas vezes, exalta a sinistra moral, ora vestida, ora despida, do Big Brother e seus derivados. A nudez (?) de Madonna é um clássico alvo preferencial, neste caso omitindo quase sempre o facto de ela convocar — escrevendo no seu corpo — nomes como Pussy Riot ou Barack Obama.
3. O mais espantoso na vaga de condenações do gesto simbólico de Madonna é o modo como, na agitação moralista em torno da nudez (?), se perca pelo caminho o nome que se podia ler: MALALA.
4. Malala Yousafzai é uma paquistanesa, de 14 anos de idade, que tem sustentado, nomeadamente através do seu blog, o direito de as raparigas frequentarem a escola — ela é originária da zona do vale de Swat, onde o poder dos Taliban tem conseguido impedir que haja alunas a estudar. Malala está no Reino Unido, a ser tratada na sequência de um atentado perpetrado por um comando Taliban: atingida por um tiro numa zona muito próxima da espinal medula, requer neste momento cuidados intensivos. Na sequência do atentado, os Taliban difundiram um comunicado em que a acusam do crime de "espionagem para o Ocidente", reiterando a decisão de a matar, bem como o seu pai, Ziauddin Yousafzai.
5. A odisseia de Malala é uma espantosa história de resistência a forças ditatoriais e de militante defesa da dignidade humana. O certo é que vivemos num mundo em que, se alguém se atreve a dedicar-lhe uma canção, esse alguém será julgado na praça pública porque, de acordo com o imaginário moralmente correcto que domina o espaço mediático, mostrou alguns centímetros de corpo a mais... Face à cegueira da estupidez, é impossível abstrair do facto de Madonna ser uma mulher. E de, uma vez mais, estar a ser mediaticamente punida por isso. Do I have to change my name?
Nota - No blog The Daily Beast, da revista Newsweek, surgiu um texto admirável sobre esta conjuntura, intitulado "Somos todos Malala" — foi escrito por uma mulher chamada Angelina Jolie.