terça-feira, outubro 09, 2012
A mão que dá é a mão que tira
Há poucas semanas a Secretaria de Estado da Cultura anunciava, na sala principal da Cinemateca Portuguesa, um programa conjunto com o Ministério da Cultura com vista à firmação de uma literacia do cinema nas escolas. Chamou-lhe Plano Nacional de Cinema e é, no geral, uma boa ideia, o programa de filmes agendados dando uma ideia da diversidade da linguagem cinematográfica, das formas abordadas às suas origens geográficas (e línguas cujas culturas assim representa) e atento ao público alvo a que se destina (e a temas e a espaços de identificação capazes de sugerir a empatia).
Formar públicos para o cinema é, num tempo em que a televisão generalista quase abdicou de o mostrar e numa era em que as formas de comunicação (via Internet, sobretudo) cedem espaço ao que é rápido, ao imediato, ao fragmentário, ao ‘soundbyte’, torna-se assim uma tarefa não apenas útil mas também necessária. Requer, primeiro, a habituação a um espaço audiovisual de duração maior que exige tempo e atenção. E, depois, a todo um progressivo domínio sobre códigos visuais, verbais, narrativos e contemplativos, que não esgotarão certamente os efeitos da sua ginástica numa sala de cinema. E por aí adiante, descobrindo depois cinematografias, autores, formas de ver e pensar o lugar onde estamos e aquilo que somos.
Como é que o mesmo Governo que promove um plano de formação de novos públicos para o Cinema é o mesmo que, depois, permite o ceifar de uma pequena parcela de um serviço que serve os públicos que o cinema já tem? Vítima dos cortes (e é sabido que alguns terão mesmo de ser feitos), o serviço de legendagem electrónica da Cinemateca Portuguesa (que permitia o visionamento de títulos estrangeiros exteriores ao próprio arquivo da instituição e, assim, assegurar o importante papel divulgador de um cinema sem fronteiras que cabe a uma instituição como esta) foi suspenso. Afetando já o ciclo dedicado a Lisandro Alonso (em curso) e outros títulos já agendados para este mês.
Como se pensa o patamar um de um processo e, ao mesmo tempo, se “corta” um outro mais além? Não faz tudo parte do mesmo saco? O da fomentação da cinefilia como expressão cultural do nosso tempo. Espaço de retrato e reflexão da diversidade de que é feito o nosso mundo?
Há um filme iraniano, de Abbas Kiarostami, no Plano Nacional de Cinema. Tem por título Diz-me Onde Fica a Casa do Meu Amigo, data de 1987 e vai ser mostrado aos alunos do sexto ano. Curiosamente, na Cinemateca de agora, na era das legendas silenciadas, a não haver já uma cópia previamente legendada, era filme que, muito provavelmente, nem seria projetado...
PS. Podem ler aqui a notícia sobre o corte do programa de legendagem eletrónica da Cinemateca.