É à volta de uma mesa de jogo, num casino, que pela primeira vez escutamos uma das frases mais célebres da história do cinema: “Bond... James Bond”... Quem o diz é Sean Connery, o primeiro ator a vestir no cinema a pele do agente secreto 007 que Ian Flemming levara aos livros nos anos 50 e que conhece a sua primeira adaptação ao grande ecrã em 1962 em O Agente Secreto 007 (Dr. No, no original) de Terence Young.
Filme de estreia, Dr. No define algumas ideias, mas não é por aqui que se definem muitas das características da expressão cinematográfica cânone 007 (a primeira Bond song só surge no filme seguinte, e apesar da breve passagem pelo ecrã de figuras secundárias como M e Moneypenny, não há nem Q nem as suas invenções, gadgets sempre úteis mais tarde, em sequências-chave da ação).
Essencialmente centrado na Jamaica (com uma sequência londrina para apresentar James Bond), o filme é narrativamente coisa quase ingénua quando comparado com a complexidade e o sentido de ameaça mais intenso (e global) que encontraremos mais tarde. Bond é enviado a Kingston para resolver o desaparecimento de um agente inglês e, em colaboração com a CIA, desvendar eventuais ligações a ações que estão a afetar o programa espacial americano. Aí encontra sinais de medo que apontam a uma ilha, nela eventualmente encontrando não apenas a primeira ‘Bond girl’ (Ursula Andress), que surge no ecrã a saír da água, numa cena que se fez icónica, e o primeiro vilão. Este é Dr. No, com ascendência chinesa e membro da SPECTRE, uma associação contra a qual Bond voltará a lutar em episódios seguintes.
Apesar das pontuais perseguições de automóvel (uma das imagens de marca 007) e de cenas de ação na ilha “misteriosa”, O Agente Secreto 007 não respira ainda a dinâmica de deixar uma alma a arfar que os filmes da série brevemente encontrariam como seu ritmo de referência. Segue mais de perto os enredos de mistério e espionagem habituais no cinema de então, ensaia expressões de medo e perigo, pisca o olho à ciência e tecnologia como elementos que, nas mãos do mal, podem ser fonte de desgraça. No fundo, e apesar dos quase dez anos de vida que 007 já levava nos livros, ao chegar ao cinema, em 1962, James Bond estava por aqui a tatear o terreno. A semear. A seu tempo faria boa colheita.