Woody Allen [foto: com Judy Davis] continua a filmar em paisagens europeias: Para Roma, com Amor é mais um cruzamento de histórias mais ou menos românticas, servidas por um elenco invulgar — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 Setembro), com o título 'Woody Allen apresenta o seu roteiro irónico de Roma'.
Na sequência de abertura de Para Roma, com Amor, Woody Allen apresenta-nos duas ou três imagens emblemáticas de Roma (as ruínas do Coliseu, etc.). Dir-se-ia um clássico roteiro turístico, na expectativa das clássicas histórias recheadas de atribulações mais ou menos românticas. O certo é que, quando a câmara de aproxima de um polícia sinaleiro, somos surpreendidos pelas considerações de um inesperado “narrador”: é o próprio polícia que se dirige ao espectador, dando conta da sua saborosa experiência de romano...
O cinema de Woody Allen continua a explorar este género de ironias. Por um lado, convida-nos a entrar num universo mais ou menos reconhecível; por outro lado, apresenta as variações insólitas, ora dramáticas, ora sarcásticas, de um estilo que gosta de desafiar as fronteiras das próprias narrativas: Para Roma, com Amor é um pequeno labirinto de histórias cruzadas através do qual redescobrimos Roma como um cenário paradoxalmente realista, capaz de acolher as peripécias mais desconcertantes.
Uma das histórias, protagonizada por Leopoldo, o chefe de família transformado em “famoso” pelas televisões, possui uma contundente actualidade. Woody Allen filma um incauto cidadão que, um belo dia, ao sair de casa, é literalmente apanhado por um batalhão de câmaras... Porquê? Apenas porque sim... Querem saber de onde vem, para onde vai, como tomou banho, como lava a cabeça... Enfim, é o pesadelo da reality TV mostrado em todo o seu menosprezo pela identidade humana. Para mais, Woody Allen entrega o papel de Leopoldo a Roberto Benigni, símbolo do cinema italiano (A Vida É Bela, O Tigre e a Neve, etc.) e, mais do que isso, figura visceral da cultura popular italiana. Dito de outro modo: para além da fotogenia dos lugares, Woody Allen interessa-se também pelas figuras emblemáticas do seu imaginário.
Aliás, a presença de actores como a italiana Ornela Mutti (numa breve aparição como estrela de cinema que roda um filme nas ruas de Roma) ou o americano Alec Baldwin (numa personagem ambígua, espécie de consciência moral dentro da própria narrativa) é reveladora de um princípio que Woody Allen sempre praticou. A saber: a integração de intérpretes que surgem nos seus filmes como uma espécie de “prolongamento” de uma imagem de marca enraizada noutros filmes.
Não por acaso, a personagem do próprio Woody Allen ilustra a capacidade de organizar infinitas variações sobre a sua “persona” cinematográfica. Desta vez, ele é um ex-editor de música clássica, com uma carreira não muito bem sucedida de cenógrafo de ópera (“estava adiantado para a época...”), que reflecte um sentimento cada vez mais forte na trajectória criativa do actor/realizador: para ele, o envelhecimento funciona como um peso inevitável, ironicamente contornado pela sua festiva perda de ilusões. Nesta perspectiva, pode dizer-se que Woody Allen se mantém um metódico retratista das grandes cidades: depois de muitas anos de Nova Iorque, Roma é mais uma paragem num périplo europeu que já o levou a Londres (Match Point), Barcelona (Vicky Cristina Barcelona) e Paris (Meia-Noite em Paris).
Uma das histórias, protagonizada por Leopoldo, o chefe de família transformado em “famoso” pelas televisões, possui uma contundente actualidade. Woody Allen filma um incauto cidadão que, um belo dia, ao sair de casa, é literalmente apanhado por um batalhão de câmaras... Porquê? Apenas porque sim... Querem saber de onde vem, para onde vai, como tomou banho, como lava a cabeça... Enfim, é o pesadelo da reality TV mostrado em todo o seu menosprezo pela identidade humana. Para mais, Woody Allen entrega o papel de Leopoldo a Roberto Benigni, símbolo do cinema italiano (A Vida É Bela, O Tigre e a Neve, etc.) e, mais do que isso, figura visceral da cultura popular italiana. Dito de outro modo: para além da fotogenia dos lugares, Woody Allen interessa-se também pelas figuras emblemáticas do seu imaginário.
Aliás, a presença de actores como a italiana Ornela Mutti (numa breve aparição como estrela de cinema que roda um filme nas ruas de Roma) ou o americano Alec Baldwin (numa personagem ambígua, espécie de consciência moral dentro da própria narrativa) é reveladora de um princípio que Woody Allen sempre praticou. A saber: a integração de intérpretes que surgem nos seus filmes como uma espécie de “prolongamento” de uma imagem de marca enraizada noutros filmes.
Não por acaso, a personagem do próprio Woody Allen ilustra a capacidade de organizar infinitas variações sobre a sua “persona” cinematográfica. Desta vez, ele é um ex-editor de música clássica, com uma carreira não muito bem sucedida de cenógrafo de ópera (“estava adiantado para a época...”), que reflecte um sentimento cada vez mais forte na trajectória criativa do actor/realizador: para ele, o envelhecimento funciona como um peso inevitável, ironicamente contornado pela sua festiva perda de ilusões. Nesta perspectiva, pode dizer-se que Woody Allen se mantém um metódico retratista das grandes cidades: depois de muitas anos de Nova Iorque, Roma é mais uma paragem num périplo europeu que já o levou a Londres (Match Point), Barcelona (Vicky Cristina Barcelona) e Paris (Meia-Noite em Paris).