quinta-feira, setembro 06, 2012

Para acabar com a cultura de esquerda (3/3)


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Na raiz da pobreza do nosso pensamento cultural está, afinal, a perda de um valor que, ingloriamente, algumas personalidades de esquerda, importa reconhecê-lo, continuam quixotescamente a proclamar: a prioridade absoluta – social e moral – da educação (convenhamos que as poucas vozes de direita que se exprimem nesse sentido também não conseguem grande impacto político).
Acima de tudo, perdeu-se a capacidade de pensar – e valorizar – o pensamento sobre os destinos da educação como algo mais do que a agitação pueril de debates televisivos em que uns brandem o número de escolas fechadas, enquanto outros apoiam (ou condenam) as verbas gastas no “Magalhães”...
A mediocridade reinante na nossa classe política, alimentada pela recusa de pensar fora das formatações televisivas do jogo político, conseguiu a proeza de branquear todos os atropelos educacionais que as próprias televisões têm injectado no tecido social português. Como se o menosprezo pelo factor humano, que está na base do Big Brother e seus derivados, pudesse ser ilibado como uma brincadeira sem consequências... Como se o retrato grosseiro, estupidamente anedótico e, afinal, lamentavelmente moralista que Morangos com Açúcar constrói dos mais jovens pudesse ser encarado como um “divertimento” sem consequências...
Que faz a escola (a começar pela escola primária) para abrir os olhos e a alma das nossas crianças para a riqueza, a complexidade e os mundos fascinantes das imagens e dos sons?
O que é que aconteceu – e, sobretudo, o que é que aconteceu politicamente – para que passássemos a ter uma esquerda (e uma direita, hélas!) indiferente ao poder educacional das mensagens televisivas?
Insolitamente, o último político português a pensar, na prática, o poder televisivo foi Marcello Caetano, em particular através das suas “Conversas em Família”. Fê-lo em função de uma aposta contraditória que a história sancionou de forma eloquente: quis aplicar a televisão como uma cosmética liberal capaz de disfarçar as raízes ditatoriais do regime a que presidia. Ao fazê-lo, deixou uma herança ambivalente que vale a pena equacionar. A saber: a televisão não é, nunca será, um veículo neutro de “informação”, “divertimento”, “cultura” ou... análise dos estados de alma de Cristiano Ronaldo.
A classe política portuguesa tem medo de pensar a televisão em termos políticos e culturais. Entre outras razões, esse medo nasce de uma evidência perturbante: questionar os valores televisivos dominantes será sempre questionar também a própria classe política que a eles se adequa, ignorando as convulsões culturais de todo um país.