Foi em 1962, há 50 anos, que os Beach Boys editaram o seu primeiro álbum. Este texto foi originalmente publicado na edição de 25 de agosto do suplemento Q., do Diário de Notícias, com o título 'A luz iluminou os Beach Boys quando saíram do sol'.
A reunião de peças soltas de Smile e versões novamente gravadas (e menores) de algumas canções originaram em finais de 1967 o inconsistente Smiley Smile, o álbum que finalmente viu a luz do dia em 1967. Que em nada correspondeu à visão imaginada e representou o maior fracasso comercial até então vivido pelo grupo. A derrota no confronto direto Sgt. Peppers dos Beatles e, sobretudo, a recusa em atuar no Monterey Pop Festival, ditaram um estatuto nada favorável aos Beach Boys. O desvio de atenções da nova música californiana de Los Angeles para San Francisco e o aparente não alinhamento da banda com um novo mapa de contestação juvenil aprofundou o fosso com o grande público americano. Ao ponto de em 1968, perante Friends, um disco simples, mas que representa uma das mais belas coleções de canções do grupo na etapa pós-Smile, o disco não ter subido acima do número 126 na tabela de vendas.
Apesar de alguns (e muito poucos) episódios pontuais, a obra dos Beach Boys tornou--se inconsequente depois do final da década que os viu nascer. Em 1970 encetam nova etapa na sua vida editorial (através de um acordo da sua Brother Records com a Reprise Records) com Sunflower, que tenta abrir vários horizontes de trabalho, e lembra pontualmente em This Whole World o génio de Brian Wilson. De 1971, Surf’s Up (que tem como tema-título uma das canções nascidas nas sessões de Smile) é o último disco verdadeiramente interessante na obra do grupo, da restante produção de 70 destacando-se apenas os resultados comerciais de 15 Big Ones (que corresponde também ao primeiro álbum produzido por Brian Wilson desde Pet Sounds e é o primeiro disco de originais depois da antologia de 1974 Endless Summer, que foi três vezes platina nos EUA).
Depois, segue-se um vazio criativo, aos poucos a banda transformando-se num cliché de si mesma, pensado todavia segundo o menor denominador que é a sua imagem de praia, festa e verão dos primeiros tempos. Sobre M.I.U. Album, de 1978, Dennis Wilson (que em 1977 tinha editado a solo Pacific Ocean Blue, um dos melhores discos criados por elementos da banda nas suas carreiras a solo) chegou mesmo a afirmar que era um constrangimento.
Apesar do pontual e estrondoso êxito comercial de Kokomo (1988), tornaram-se progressivamente quase invisíveis, até que, depois do flirt com a country de Stars and Stripes Vol. 1, de 1996, resolvem colocar um ponto final. Dando o dito por não dito já este ano com That’s Why God Made The Radio, um disco que reúne a formação clássica (salvo Dennis e Carl, que morreram respetivamente em 1983 e 1998), mas que mais não fez senão revisitar memórias e modelos. Conseguindo mesmo assim ser o seu “melhor” disco desde meados dos anos 70!
Hoje, se as memórias das canções de praia e surf dos primeiros anos são clássicos globalmente reconhecidos, álbuns como Pet Sounds ou o finalmente (re)descoberto Smile ganharam estatuto de respeitada referência, ao mesmo tempo que discos como The Beach Boys Today!, Friends ou Surf’s Up esperam pelo momento em que, também eles, terão direito a um merecido aplauso mais visível. Os Beach Boys perderam a capacidade de agir sobre o mundo (o da música e o de quem a escuta) com a chegada dos anos 70 e grande parte da sua discografia posterior a 1967 é risível. Mas 50 anos depois do álbum de estreia Surfin’ Safari, a banda que saiu um dia de uma casa em Hawthorne para gravar uma canção sobre surf está novamente viva. E mesmo ciente de que não voltará a inventar (como Brian fez entre 65 e 67), sabe, pelos feitos dos anos 60, que tem um lugar merecido no Olimpo da história da música popular.