domingo, agosto 12, 2012

Chris Marker: cinema vs. televisão

LA JETÉE (1962)
Como é que as televisões abordaram a notícia da morte de Chris Marker? Em muitos casos, através de uma apoteótica indiferença... O Arte foi uma das excepções — este texto foi publicado no Diário de Notícias (10 Agosto), com o título 'Quem é Chris Marker?'.

Valeu a pena acompanhar o canal franco-alemão Arte na evocação do cineasta francês Chris Marker (falecido a 29 de Julho, dia em que completava 91 anos). Aliás, continua a valer a pena visitar o respectivo site (arte.tv) onde se propõem diversas pistas para o conhecimento de uma obra que surpreende tanto pela quantidade como pelo génio experimental. Além de ser possível ver, na íntegra, a sua curta-metragem mais célebre (La Jetée, 1962) [video de apresentação neste post], aí encontramos um trabalho de Agnès Varda sobre a trajectória criativa de Marker e, em particular, um inventário da sua participação nos Encontros de Fotografia de Arles, em 2011.
Desta participação ficou um balanço cujo anti-academismo é bem revelador da riqueza da herança de Marker. De facto, ele nunca foi um cineasta “puro”. Assim, o seu interesse pela fotografia decorre tanto da paixão pelo instantâneo como da celebração do paradoxal movimento interno da imagem (afinal de contas, La Jetée, justamente, é um admirável objecto de cinema criado a partir de uma montagem de... fotografias). Dito de outro modo: para Marker, a imagem, qualquer imagem, nunca é a mera “reprodução” seja do que for, mas sim um princípio de narrativa.
Desde os tempos heróicos de gestação da Nova Vaga (quando trabalhou, por exemplo, com Alain Resnais) até às suas recentes experiências na Internet (no sentido de criação de algo que talvez se possa definir como uma filmoteca virtual), Marker teve no cinema um papel pioneiro comparável aos de Da Vinci face às artes e ciências do Renascimento ou Mahler na eclosão da música do séc. XX.
Perante a monumentalidade de tal legado, importa também referir que vivemos num país em que, por regra, qualquer cantor “pimba” de quinta categoria consegue, com relativa facilidade, mais tempo de antena que qualquer memória de Chris Marker. Por isso, quando se lembrarem de organizar grandes debates sobre a “cultura” (e o acesso à dita), sugere-se que, antes dos temas clássicos (os financiamentos, os circuitos de difusão e essa coisa mágica que é a “sustentabilidade”...), se agende um outro, mais radical e mais urgente. Pode identificar-se por uma palavra simples: “televisão”.