sábado, agosto 04, 2012

Beatles e Stones há 50 anos... (5)

Continuamos a publicação de um artigo originalmente apresentado no suplemento Q., do DN, a 19 de maio de 2012 com o título ‘O ano em que o mundo ouviu os Beatles e viu nascer os Stones’. Em 1962 os Beatles lançavam ‘Love Me Do’, o seu primeiro single. No mesmo ano, depois de um primeiro ensaio, os Rolling Stones estreavam-se num pequeno palco em Londres. 50 anos depois esses dois momentos moram na mitologia da música popular.

Os Beatles entretanto não tinham parado. E ao “não” da Decca outros se juntaram. Fizeram mesmo uma coleção de “nãos”... Em março eram, todavia, apresentados num cartaz de um concerto com letras maiúsculas que os descreviam como “vencedores do top da Mersey Beat – Artistas da Polydor antes da sua digressão europeia”... A referência devia-se à eleição feita em dezembro de 1961 entre os leitores da Mersey Beat, uma publicação de Liverpool essencialmente dedicada à cena musical local. A presença da Polydor pode dever-se essencialmente ao facto de terem editado, em 5 de janeiro de 1962, um single como banda de acompanhamento de Tony Sheridan (apesar de indicados na capa do disco como The Beat Brothers).

Hunter Davies acompanha detalhadamente os acontecimentos que se seguiram e indica que Brian Epstein “continuava a trabalhar em últimas tentativas para ver se alguém se interessava pelos Beatles”. A dada altura terá pensado numa última tentativa, que envolvia algum investimento: “Tinha estado a levar fitas gravadas a editoras discográficas, entre elas as gravações que tinham feito na audição para a Decca em janeiro. Achou que seria mais impressionante e mais portátil se levasse consigo as fitas prensadas em vinil” (53) (…) Deslocou-se até à loja da HMV em Oxford Street. Era, descreve, “uma loja de discos normal, embora parte do grande império da EMI”. Falou para um “contacto que lá tinha” e perguntou se podia transformar as fitas que trazia consigo num disco. O técnico que gravou as fitas gostou do que ouviu e avisou que ia informar o publisher no andar de cima. “Este ficou entusiasmado e disse que queria fazer o publishing das gravações. E que ia falar a um amigo seu na Parlophone” descreve George Martin” (54) . O amigo, era ele mesmo.

Brian Epstein falou então com o próprio George Martin e, perante o interesse que este lhe manifesta, envia um telegrama aos Beatles que, entretanto, haviam partido para nova temporada de atuações em Hamburgo, na Alemanha: “Parabéns rapazes, a EMI pede uma sessão de gravação, ensaiem novo material”. Por essa altura, tinham começado a juntar ao alinhamento dos seus concertos algumas das suas primeiras canções, entre as quais estava Love Me Do. “ O Paul começou-a quando devia ter uns 15 anos. Foi a primeira das nossas que nos atrevemos a tocar”, lembra John Lennon em Anthology. Por seu lado, Paul diz que “a colaboração na escrita Lennon/McCartney estava em formação nesse período”. Foram “do Love Me Do para coisa mais intensas”. (55)

A sessão para a EMI (através da Parlophone) chega a 6 de junho de 1962. Brian Epstein, “eficiente como sempre”, descreve Hunter Davies, tinha enviado para o produtor uma “lista de canções escrita à máquina no seu papel timbrado especial” na qual lhe sugeria alguns dos temas que poderiam tocar no estúdio. Ecos dos tempos de mudança que tinham vivido nos seus mais recentes concertos, a lista incluia alguns temas originais como Love Me Do, PS I Love You, Ask Me Why e Hello Little Girl. “Mas as sugestões principais eram standards como Besame Mucho”, recorda o biógrafo. (56)

A primeira impressão que os Beatles tiveram daquele que seria o seu futuro produtor foi a maneira como falava. “Não falava cockney nem com o sotaque de Liverpool ou de Birmingham e todos os que não falavam assim eram, para nós, gente chique. Foi amigável e professoral, tínhamos de o respeitar, mas ao mesmo tempo deu-nos a impressão de que não era rígido. Podíamos brincar com ele. (57) E brincaram mesmo. Tanto que se tornou célebre o momento em que, depois de George Martin lhes perguntar se havia alguma coisa que não os deixasse felizes, Geore Harrisson respondeu que não gostava da gravata de Martin... Breve silêncio... E uma gargalhada geral toma conta do momento.

George Martin gostou do que ouviu nessa sessão. Mas não lhes deu uma resposta imediata. Pelo que regressam a Liverpool e continuam a viver uma intensa agenda de atuações ao vivo.

A mais desejada das respostas chega só em julho, quando George Martin lhes faz saber que gostaria que os Beatles assinassem um contrato com a Parlophone Records. “E estava a tentar pensar que canções deveriam gravar. Brian, assim como John, Paul e George estavam delirantes. Mas não disseram nada a Pete Best” (58), conta Hunter Davies.

O futuro do baterista na banda era cada vez menos certo. Paul McCartney lembra que George Martin os chamou para vincar que estava “mesmo insatisfeito com o baterista” e se ponderavam poder trocá-lo... Responderam que não. “É uma daquelas coisas terríveis quando somos miúdos, Poderíamos traí-lo? Não! Mas a nossa carreira estava em risco. E podiam cancelar o contrato” (59), adverte McCartney. E despedir Pete Best foi, admite, uma das coisa mais difíceis que tiveram de fazer.

Lennon confirma que “o mito que cresceu ao longo dos anos de que ele [Pete Best] era ótimo e que o Paul teria ciúmes dele porque era bonito era um disparate” (…) O baterista foi descrito por Lennon como lento: “inofensivo, mas não era rápido” (60). Em Anthology McCartney acrescenta que “era bom, mas limitado”. E convida-nos a escutar as diferenças nas fitas que mais tarde foram publicadas no primeiro volume em CD de Antology. “Quando o Ringo se junta a nós ganhamos outro impulso, uns breaks mais imaginativos e a banda encontra-se a si mesma. A combinação era perfeita: o Ringo com a sua batida sólida, a inteligência lacónica e o charme à Buster Keaton” (61).

George Martin gostou mesmo dos Beatles. “Achei-os gente muito atraente” confessaria a Hunter Davies. E preparou a sessão oficial para a gravação daquele que seria o seu primeiro single. Escolheu Love Me Do, considerando que a alma da canção morava na harmónica de John Lennon.

4 de Setembro de 1962. “Foi a nossa entrada no mundo”, exclama Paul McCartney encontrando ali um ponto de viragem na carreira dos Beatles. Entraram às dez em ponto e montaram eles mesmos o seu equipamento, preparados para começar, pelas dez e meia, a sessão da manhã. “Depois tínhamos uma hora para almoço (que pagámos) Íamos ao Alma Club, ao virar da esquina nas traseiras de St John's Wood. Éramos novos e os pubs eram ainda lugares de crescidos. Por isso levávamos um cigarro na boca para parecer mais velhos (…) Inevitavelmente falámos da sessão. Depois regressamos ao estúdio das 2.30 às 5.30. Essas eram as duas sessões principais. Duas sessões diurnas onde se esperava que ficassem prontas quatro canções”. (62)

Mas a ocasião não foi feliz para todos. E dia 11, de regresso ao estúdio para completar as sessões, Ringo Starr que ganhara recentemente o seu lugar como baterista dos Beatles, encontrou outro músico à sua frente. Andy White, um profissional habituado a sessões que George Martin chamara para garantir que tudo corresse bem. Ringo recorda esse momento na primeira pessoa em Anthology: “Na minha primeira visita, em setembro, tocámos alguns temas para o George Martin. Lembro-me de tocarmos o Please Please Me”. Mas o produtor “usou o Andy White, o 'profissional'” quando uma semana mais tarde regressaram para gravar Love Me Do. “Ele estava já agendado por causa do Pete Best. O George não queria correr riscos e eu fiquei ali apanhado no meio. Fiquei devastado pelo facto do George Martin ter duvidas sobre mim. Apareci, pronto para tocar, e ouvi-o a dizer que tinha um baterista profissional. Pediu-me desculpa vezes sem conta desde então. Por isso é o Andy quem toca no single Love me Do. Mas eu toquei depois na versão do álbum. O Andy não estava a fazer nada de tão especial que eu não pudesse copiar quando fizemos o álbum (63).

Gravam ao todo 17 takes de Love Me Do antes do produtor se mostrar satisfeito. Poucas semanas depois, o single começa a talhar o seu caminho no mercado, atingindo o número 17 na tabela dos singles mais vendidos no Reino Unido. O primeiro single dos Beatles era um êxito.

53 - The Beatles – 40th anniversary Edition, de Hunter Davies, pág 225 
54 – ibidem 
55 – in Anthology, pág 68 
56 – in 53 - The Beatles – 40th anniversary Edition, de Hunter Davies, pág 226/7 
57 – In Anthology, pág 68 
58 – in 53 - The Beatles – 40th anniversary Edition, de Hunter Davies, pág 226 
59 – in Anthology, pág 70 
60 – in Anthology, pág 72 
61 – ibidem
62 – ibidem, pág 75 
63 – ibidem, pág 76