Andrei Zvyagintsev, realizador de O Regresso, está de volta com Elena, um drama familiar que nos confronta com as convulsões mais íntimas da actual sociedade russa — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Julho), com o título 'Um cineasta russo fascinado pelas relações entre gerações'.
Perante a estreia do filme russo Elena, de Andrei Zvyagintsev, talvez seja inevitável recordar que a cinematografia da Rússia é uma das que continua a ter uma presença irregular no mercado português. Ao longo das últimas décadas, alguns dos seus nomes que, apesar de tudo, fomos descobrindo, são autores que conseguiram um reconhecimento importante nos grandes circuitos internacionais, em particular nos maiores festivais de cinema. É o caso de Nikita Mikhalkov, que arrebatou o Grande Prémio de Cannes, em 1994, com Sol Enganador, ou Aleksandr Sokurov, distinguido, também em Cannes, em 1999, com o prémio de argumento para Moloch (em 2011, Sokurov venceu o Festival de Veneza com Fausto, a estrear entre nós no mês de Novembro).
Andrei Zvyagintsev, precisamente, é outra dessas excepções. Afinal de contas, tinha apenas 39 anos quando, em 2003, recebeu o Leão de Ouro de Veneza com O Regresso, a sua primeira longa-metragem (antes dirigira alguns episódios de uma série televisiva). Retratando dois adolescentes confrontados com o inesperado regresso a casa do seu pai, depois de mais de uma década de ausência, Zvyagintsev explorava uma linha temática que parece constituir uma trave mestra do seu universo. A saber: os enigmas das relações entre gerações e, mais do que isso, aquilo que se transmite (ou não) de pais para filhos.
Depois de O Regresso, Zvyagintsev dirigiu The Banishment (inédito nas salas portuguesas), outra ambiciosa travessia das sombras de um espaço familiar que, em Cannes (2007), valeu a Konstantin Lavronenko a distinção de melhor actor (Lavronenko era o intérprete da personagem do pai em O Regresso). Elena coloca em cena uma situação familiar muito particular, já que a personagem principal, interpretada por Nadezhda Markina, é uma mulher que enfrenta uma situação carregada de ambiguidades materiais e emocionais: face à morte iminente do marido, ela está apostada em não perder a sua herança e, em particular, em garantir o futuro financeiro do seu filho de um primeiro casamento...
Nadezhda Markina é, afinal, um exemplo modelar da importância do trabalho dos actores no cinema de Zvyagintsev. E não será por acaso que isso acontece: em boa verdade, ele é originalmente um actor, formado em 1984 pela Escola Dramática da sua cidade natal, Novosibirsk, na Sibéria. A viver em Moscovo a partir de 1986, Zvyagintsev prosseguiu os estudos na Academia de Artes Teatrais, tendo cumprido, até ao ano 2000, uma carreira de actor repartida entre o cinema e o teatro.