terça-feira, maio 01, 2012

A agonia (televisiva) do 25 de Abril

RENÉ MAGRITTE
Mona Lisa, 1962
Como qualquer evento da história colectiva, o 25 de Abril é também aquilo que com que ele fazemos, quer dizer, um acontecimento no interior das linguagens que usamos. Na televisão, as respectivas linguagens chegaram ao maniqueísmo total — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 Abril), com o título 'Para acabar com o 25 de Abril'.

O lugar-comum, hélas!, faz parte da democracia. Daí que, com infalível militância, alguns dias antes do 25 de Abril de cada ano, as televisões ponham a circular os mesmos 20 segundos de imagens do Largo do Carmo, com José Afonso em off. Infalivelmente também, há sempre alguns debates mais ou menos heróicos sobre se “valeu a pena” termos o 25 de Abril. Ano sim, ano não, as televisões conseguem ainda encontrar alguma legitimação exterior para proclamar que precisamos de um “outro” 25 de Abril (estamos em ano sim).
Vogamos no interior do mesmo imaginário mediático que permite que se discuta se um resultado de futebol foi “justo” ou não. A bola pode ter feito ricochete sete vezes antes de passar a linha de golo, o guarda-redes ter-se-á distraído a pensar se deixou ou não o jogo a gravar... mas em televisão (e não só) há sempre quem, na mais absoluta seriedade, considere que isso é uma questão de “justiça”. Continuamos à espera que nos esclareçam que tribunal irá lidar com as “injustiças” dos resultados e, sobretudo, que sanções serão aplicadas.
No meio deste infantilismo generalizado, as televisões favorecem também uma interrogação drástica. A saber: “Porque é que o 25 de Abril não resolveu todos os problemas da sociedade portuguesa?”. Já mudámos de século e não desistem... Ao mesmo tempo, são incapazes de supor que os seus modos de comunicar (?) talvez não sejam indiferentes ao metódico esvaziamento simbólico do 25 de Abril.
Alternativas? São muitas e muito sérias. Assim, seria interessante que as televisões questionassem o facto (cultural e económico) de, desde 1978, a telenovela se ter imposto como modelo dominante de ficção na sociedade portuguesa. Também não seria inútil saber de que modo a desumana frivolidade do Big Brother contaminou muitas linguagens, a começar pelo jornalismo (televisivo e não só). Enfim, está por analisar o luxo de gastar horas e horas a discutir as grandes penalidades do futebol. Para quê? Para demonizar a televisão? Bem pelo contrário. Pela simples vontade de vivermos melhor. Aliás, foi para isso que se fez o 25 de Abril.