domingo, abril 15, 2012

Nos 40 anos de 'Pink Moon' (4)


Continuamos a publicação integral de um texto sobre Nick Drake publicado no suplemento Q. do Diário de Notícias, assinalando os 40 anos da edição de 'Pink Moon'. O texto, com o título 'Como Nick Drake se transformou num ícone' foi publicado a 25 de fevereiro.

Em 1971 Nick Drake estava de regresso à casa dos pais. Os meses que separam o lançamento de Pink Moon da sua morte mostraram um declínio lento, “constante”, como descreve Patrick Humphries: “A sua incapacidade para comunicar e a sua tendência para se isolar completamente em si mesmo eram um drama vivido diariamente pelos seus pais”. Rodney e Molly sentiam-se encurralados num pesadelo diário, forçados a assistir à deterioração do seu filho” (23).

Inesperadamente, em fevereiro de 1974, regressa a estúdio para uma nova sessão de gravação. Joe Boyd, que após a edição de Bryter Later tinha regressado aos EUA (ausência que Nick Drake sentiu), lembra no seu livro, com dor, o homem diferente que então encontrou. “Tinha uma aparência pior que o que alguma vez tinha visto, o cabelo estava sebento, as mãos sujas, as roupas amarfanhadas. E o mais enervante: ele estava zangado. Tinha-lhe dito que era um génio, ao que os outros concordaram. Assim sendo, perguntou ele, porque não era rico e famoso? A raiva deve ter alastrado sob aquele exterior inexpressivo durante anos. Confessei o meu desapontamento – pensara que um grande disco teria aberto portas. Umas boas críticas, umas passagens pelo John Peel – mas sem concertos não tinha sido o suficiente” (24)

'Time of no Reply'
Nessa, que seria a sua última sessão, grava quatro inéditos (25), Joe Boyd tendo depois confessado que a letra assombrada de Hanging on a Star o havia assustado. Mais ainda, o velho amigo e produtor notou quão diferente estava o músico que poucos anos antes havia gravado temas em takes com orquestra, sem falhas. Gravaram as partes instrumentais primeiro, os overdubs vocais depois. Começando de tarde e acabando depois da meia noite.

Black Eyed Dog [outro dos novos temas] é uma canção sobre a doença mental”, descreve Nick Kent, jornalista do NME nos anos 70 que, tendo assinado um texto sobre Nick após a sua morte, chegou a ser convidado para escrever algo para o booklet de Fruit Tree (que foi redigido mas nunca publicado). Sobre esse inédito revelado nesta primeira antologia diz ainda: “É sobre estar lá mesmo [num estado de doença mental], apercebendo-se que toda a mente foi tomada por algo que não conseguimos controlar e que nos atira para um inferno catatónico. Não conseguimos fazer nada contra isso e nos breves momentos mais próximos de lucidez escrevemos uma canção sobre o que estamos a sentir. É como Syd Barrett (26) em Dark Globe, onde é óbvio que ele sabe o que está a acontecer”, lemos no livro de Patrick Humpries. (27)

Se este era o início dos trabalhos num eventual quarto álbum ninguém sabe, mas dali em diante não há (ou pelo menos nunca foram revelados) sinais de novas composições. E meses depois desta breve sessão, Nick Drake era encontrado sem vida na casa dos seus pais.

O semanário musical britânico Sounds publicava um obituário duas semanas mais tarde, com o título “Nick Drake: a morte de um génio”. Dizia “Nick Drake morreu durante o sono há dois domingos, deixando um legado de três álbuns soberbos e estilizados na Island Records” e terminava citando Robert Kirby (28): “Ele estava pronto para a morte, sim, acho que ele sentira que já chegava, que nele já não havia luta. Contudo, sinto que se ele pensasse em suicídio já o teria feito há muito tempo”. As palavras são talvez das primeiras a contestar a hipótese de suicídio que é discretamente levantada pela certidão de óbito, mas na verdade nunca confirmada. O mesmo Robert Kirby, no livro de Patrick Humphries, comenta ainda que nem só de música viveria um possível futuro de Nick Drake caso tivesse vivido. “Ele falava de literatura quando não falava de música. Numa outra vida, via-o a gerir uma boa editora livreira. Acho que seria capaz de escolher potenciais bons escritores”. Mais surpreendente ainda é outro cenário que Kirby levanta no mesmo livro, ao revelar que Nick Drake chegou a ir a um gabinete de recrutamento militar e que chegou a ponderar uma carreira... (29).


23 – in Nick Drake – The Biography, de Patrick Humphries (Bloomsbury, 1997), pág 188 
24 - in White Bycicles, de Joe Boyd (Serpent’s Tail, 2005), pág 259 
25 – São eles Voice From The Mountain, Rider on The Wheel, Black Eyed Dog e Hanging on a Star, que mais tarde teriam edição póstuma primeiro na caixa Fruit Tree e, depois, em Time of No Reply 
26 – Syd Barrett (1946-2006) Fundador e primeiro vocalista dos Pink Floyd. Dark Globes é um tema do seu álbum a solo The Madcup Laughs, de 1970. 
27 - in Nick Drake – The Biography, de Patrick Humphries (Bloomsbury, 1997), pág 239 
28 – Robert Kirby (1948-2009) Arranjador de origem britânica, trabalhou nos álbuns Five Leaves Left e Bryter Later. 
29 - in Nick Drake – The Biography, de Patrick Humphries (Bloomsbury, 1997), pág 224