Coisa rara: um filme que lida com o passado (português) através de materiais de arquivo, questionando esse passado sem contornar uma fundamental questão de linguagem. A saber: a necessidade de questionar os próprios materiais de arquivo.
Assim, Linha Vermelha, de José Filipe Costa, evoca um dos processos mais convulsivos do pós-25 de Abril: a ocupação da propriedade Torre Bela (perto da Azambuja) e a sua condição de bandeira da Reforma Agrária — é uma evocação cuja matéria primeira não são os "factos" (onde poderiam estar, afinal?...), mas o filme Torre Bela (1975), de Thomas Harlan, precisamente sobre o processo de ocupação.
Dir-se-ia um filme sobre a velha questão da "manipulação" cinematográfica: os factos não aconteceram de forma virginal porque a câmara de Harlan estava lá... Sim, sem dúvida. Mas o "estar lá" da câmara não significa que aquilo que chamamos realidade tenha sido "desviado". Significa apenas que o cinema nao é o "exterior" de coisa nenhuma porque integra a própria realidade — e convém sublinhar que essa interioridade do labor da(s) câmara(s) é, precisamente, aquilo que as televisões todos os dias recalcam, apresentando-se como imaculados instrumentos de "transcrição".
Na prática, Linha Vermelha deixa uma mensagem cristalina: a de que não há trabalho político alheio às mais diversas formas de teatralidade. Talvez seja um princípio para voltarmos a olhar a herança do 25 de Abril sem nos atolarmos na "transparência" mitológica (leia-se: televisiva) das suas imagens e dos seus sons.
>>> Linha Vermelha: site da produtora TerraTreme.