sexta-feira, abril 13, 2012

Cameron Crowe: à maneira clássica

Na dinâmica actual de Hollywood, Cameron Crowe é um dos que não desiste de uma relação criativa com as matrizes clássicas. O seu título mais recente, Comprámos um Zoo!, constitui um magnífico exemplo da consistência da sua aposta — este texto foi publicado no Diário de Notícias (9 Abril), com o título 'O classicismo de Cameron Crowe'.

Cameron Crowe é um dos realizadores americanos contemporâneos que mantém uma relação muito forte com os grandes géneros do classicismo de Hollywood. A comédia dramática, em particular, tem sido uma matriz essencial do seu labor, nomeadamente em títulos como Singles (1992), Jerry Maguire (1996) ou Quase Famosos (2000), este com algumas componentes autobiográficas, já que, tal como ele, o jovem protagonista também começou por escrever sobre o mundo do rock’n’roll, para a revista Rolling Stone. Acima de tudo, Crowe gosta de lidar com as contradições emocionais dos seres humanos, não por acaso através de um elaborado trabalho com os actores.
O seu filme mais recente, Comprámos um Zoo!, não terá tido grande protecção por parte do mercado, mesmo apresentando um elenco liderado pelos nomes de Matt Damon e Scarlett Johansson. É pena, quanto mais não seja porque esse mesmo mercado tende a privilegiar cada vez mais os filmes (ditos) de efeitos especiais... Seja como for, Comprámos um Zoo! é mais um momento exemplar na trajectória criativa de Crowe, desta vez tendo como ponto de partida uma história verídica. Inspirado no livro de memórias de Benjamin Mee, nele se relata a insólita odisseia de um homem que, depois da morte da mulher, decide comprar uma propriedade para viver com os seus dois filhos (um rapaz de 14 anos e uma menina de 7). Acontece que a propriedade escolhida envolve um contrato invulgar: existe nela um jardim zoológico e o comprador fica obrigado a reabri-lo ao público.
Em termos simples, há uma linha romanesca que sustenta a história, envolvendo o protagonista (Damon) e a encarregada do zoo, Kelly Foster (Johansson). Em todo o caso, o filme está muito longe de se reduzir a um “romance” mais ou menos previsível com um pano de fundo mais ou menos pitoresco. À boa maneira dos seus mestres clássicos, a começar por Billy Wilder (com o qual, aliás, publicou um livro de entrevistas), Crowe [foto] assume-se como um apaixonado pelos contrastes da natureza humana. Não terá o cepticismo que tantas vezes marca os filmes de Wilder, mas com ele partilha uma sensação muito forte de total imprevisibilidade: cada uma das suas personagens existe por direito próprio, não para satisfazer um qualquer cliché dramático, social ou moral.
Nesta perspectiva, o envolvimento do filho de Benjamin (Colin Ford) com a prima de Kelly (Elle Fanning) é bem sintomático do grau de exigência que Crowe coloca no tratamento de todas as suas personagens, e tanto mais quanto contraria os muitos lugares-comuns que, não poucas vezes, surgem associados aos adolescentes. A cena em que eles se encontram, numa tarde de chuva, abraçando-se à janela do quarto dela, possui esse misto de pudor e vibração emocional que vem em linha directa de grandes clássicos como Otto Preminger ou Elia Kazan. A provar, afinal, que Crowe não brinca com a preciosa herança artística que recebeu.