sábado, março 03, 2012

Televisão, Oscars e zombies

No rescaldo dos Oscars, emerge também o regresso da série The Walking Dead. Ou como a televisão gera os seus próprios anticorpos — este texto foi publicado no Diário de Notícias (2 Março), com o título 'Entre Oscars e zombies'.

1. Quanto mais os anos passam, mais sou levado a pensar que a agitação televisiva em torno dos Oscars de Hollywood (da qual, como é óbvio, não me estou a excluir) faz passar um subtexto bizarro, equívoco e anti-pedagógico, no limite contra o cinema. Dir-se-ia que já não sabemos reconhecer as especificidades do cinema, a não ser quando este se exprime através de rituais que, de uma maneira ou de outra, possam encaixar no débil imaginário dos “famosos” deste mundo? Exemplo patético disso mesmo foi o modo como muitos jornalistas americanos acharam por bem gastar tempo e espaço para, em tom mais ou menos machista, dissertar sobre o modo como o vestido de Angelina Jolie expunha... a sua perna direita! Tempos houve em que, sem preconceitos nem hipocrisia, uma verdadeira estrela de cinema era motivo de celebração. Será que, agora, o facto de uma mulher combinar inteligência e glamour é algo que voltou a ser suspeito?

2. A segunda temporada da série The Walking Dead (Fox) é um pequeno grande acontecimento no panorama das séries televisivas. Desde logo, porque contraria a pompa conceptual (Dexter) ou cenográfica (Downton Abbey) que tem vindo a contaminar algumas dessas séries, adoptando um simpático e linear revivalismo cinéfilo, apostado em celebrar a tradição das histórias de zombies. Mas também, paradoxalmente, porque tal revivalismo tende a esbater-se, dando lugar a uma crescente elaboração psicológica. Seria, talvez, o menos óbvio, mas é o que está a acontecer: esta história de um grupo ameaçado por zombies transformou-se num drama suspenso em que, subitamente, são testadas algumas noções tradicionais de família, geração e comunidade. Instalou-se, assim, um enigma central que nada tem a ver com o estratagema de Lost e afins (em que se vão tirando coelhos da cartola para fingir que está realmente a acontecer alguma coisa): The Walking Dead contempla e escalpeliza o carácter indecifrável da condição humana. As suas promoções, incluindo as frases disparatadas que pontuam os intervalos de cada episódio, bem se esforçam para que nos afastemos, mas The Walking Dead está cada vez melhor.