Depois do filme e do DVD, a série televisiva: Sangue do Meu Sangue já passou na RTP — este texto foi publicado no Diário de Notícias (23 Março), com o título 'Sangue português'.
Termina hoje [23 Março] à noite, na RTP1, a apresentação de Sangue do Meu Sangue, de João Canijo. Depois da sua passagem nas salas de cinema, o filme ressurgiu, assim, no formato de série televisiva (três partes), demonstrando algo de muito básico: é possível construir pontes de colaboração e cumplicidade entre cinema e televisão, preservando as suas especificidades, sem que cada uma das entidades se dissolva nas regras da outra (vale a pena referir que, também na RTP, se anuncia a passagem da série Florbela, de Vicente Alves do Ó, cuja versão cinematográfica chegou recentemente às salas).
Não se trata, entenda-se, de encontrar aqui um qualquer padrão universal, “obrigatório” para o cinema português. Já basta o que basta... e atrevo-me a pensar que estamos todos cansados das soluções “milagrosas” que ignoram a pluralidade intrínseca da criação cinematográfica (e televisiva!).
Trata-se, isso sim, de sublinhar o facto simples, mas essencial, de ainda haver opções de programação, nomeadamente da ficção audiovisual portuguesa, que resistem à ditadura narrativa, estética, financeira e publicitária da telenovela. Não há nenhuma razão, nem cultural nem social, que legitime tal domínio. Dito de outro modo: ceder à telenovela o lugar central das imagens (e sons) não resulta de nenhum destino incontrolável, mas sim de escolhas que, mais do que nunca, importa questionar.
Infelizmente, com honrosas excepções, a nossa classe política (direitas e esquerdas confundidas) tem-se distinguido por uma lamentável indiferença perante a violência cultural que esta conjuntura envolve. Que há mais de trinta anos se discuta as bases de produção do cinema português sem ter em conta o “efeito-telenovela”, eis a cegueira instalada.
E não vale a pena alimentar ilusões: não será o admirável Sangue do Meu Sangue que vai resolver qualquer questão de fundo. Em todo o caso, a mensagem não podia ser mais clara: é possível falar do que somos sem ceder aos lugares-comuns “telenovelescos” e, mais do que isso, sem menosprezar uma relação inteligente com o espaço televisivo. Afinal, Ingmar Bergman lançou o seu Cenas da Vida Conjugal (filme e série) há apenas... 39 anos.