sexta-feira, março 23, 2012
Filmes Pe(r)didos:
Inocência, de Lucile Hadzihalilovic
por Pedro Barão
Memórias de filmes afastados daquelas listas habituais que fazem a conversa de todos os dias. Filmes "perdidos". Ou se preferirem, "filmes pedidos"... Hoje lembramos Inocência (no original Innocence filme de 2004 de Lucile Hadzihalilovic, que aqui é evocado pelo realizador Pedro Barão. Um muito obrigado ao Pedro pela colaboração.
Frágil é o tempo da inocência, sempre à espera de quebrar no nascimento das primeiras perguntas, que insistem a romper a visão pura e despreocupada de um mundo mais simples que belo.
É a este estado que nos leva Lucile Hadzihalilovic no seu filme Innocence (2004), uma obra cinematográfica que ensaia uma visão poética da puberdade, da curiosidade infantil, do desejo de liberdade e da transcendência.
O cenário é utópico: um conjunto de raparigas vivem em casas isoladas num bosque cercado por um muro, educadas na dança e servidas por mulheres mais velhas - outrora raparigas que arriscaram escapar e, por isso, obrigadas a permanecer ali até à morte. Com a chegada de Iris inicia-se um novo ciclo. As fitas de cores são trocadas, anunciando uma nova ordem, e Bianca, a mais velha, prepara-se para abandonar o bosque, anunciando partida para um mundo exterior.
O filme é exímio em criar esta noção de um mundo à parte, com regras muito próprias, onde tudo parece controlado e salvo de qualquer ameaça externa, e torna-se numa verdadeira ode ao tabu, pela existência de uma ordem inflexível que se sujeita a ser quebrada pelo mais pequeno laivo de curiosidade. A noção de fétiche pode-lhe ser perfeitamente associada, uma vez que todo este ambiente é claramente propício a comportamentos desviantes, numa vontade das personagens de cruzarem a linha do convencional e aventurarem-se num mundo desconhecido, precipitando-se a novas experiências, independentemente das consequências.
Innocence é uma verdadeira viagem metafórica que estabelece um grande nível de intimidade com o espectador, fazendo-nos recuar a uma fase pura e vivê-la na extensão de uma transformação que a vai corroendo pela dúvida, pela incerteza e pelas fragilidades que fazem parte das personagens e que se refletem, em última instância, em cada um de nós.