A - Não vale a pena repisar a visão profundamente negativa que tenho do discurso que serviu para sustentar o lançamento do programa Estreia da Semana, no Canal Hollywood (ao leitor interessado em compreender o contexto, sugiro a leitura do post "Não temos oportunidade para ver os filmes...").
B - Acontece que a imagem pública que construímos faz parte do nosso discurso. E vale a pena não recusar a importância dessa imagem. Não para a instrumentalizar de modo fulanizado, antes não escamoteando o seu valor de significação.
C - Os apresentadores do programa Estreia da Semana apresentam-se com a imagem que acima se reproduz. E o mínimo que se pode dizer é que nela se configura a tristeza desta nova "cinefilia" que já dispensou qualquer relação com os filmes. Encenam-se como consumidores de pipocas, dispensando qualquer aproximação (iconográfica, simbólica, etc.) do imaginário do cinema, a não ser uma pálida sugestão da película cinematográfica, no cartaz de fundo (o que envolve uma curiosa contradição para quem confessa conhecer os filmes através de trailers da Internet). Resta um microfone na mão de um dos protagonistas — ou seja, podemos admitir que há neles um pressentimento da vocação ontológica do som como linguagem de poder. Porquê? Porque a imagem pode ser inapelavelmente irrisória.
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Que pensarão os protagonistas de Estreia da Semana desse gesto violento, mas de pura magia cinéfila, com que, em Os 400 Golpes (1959), de François Truffaut, Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud) e o seu amigo René (Patrick Auffay) roubam uma fotografia de Harriet Andersson, em Mónica e o Desejo (1953), de Ingmar Bergman?
Será que conseguirão perceber que esses corpos e olhares que vêm de um tempo em que ainda não tinham nascido os convocam para um momento de silêncio e pudor? Serão capazes de corresponder e desligar o som?
Será que conseguirão perceber que esses corpos e olhares que vêm de um tempo em que ainda não tinham nascido os convocam para um momento de silêncio e pudor? Serão capazes de corresponder e desligar o som?
Aliás, podemos rever o roubo da fotografia de Mónica no video que a seguir se reproduz, deparando assim com uma prova esquecida da existência de Deus: é um trailer de Os 400 Golpes e está no YouTube.