Será possível olhar/pensar/discutir o filme Cavalo de Guerra fora do espaço limitado dos "prós" e "contras" dos Oscars? Este texto foi publicado no Diário de Notícias (23 Fevereiro), com o título 'Repensando a América na Europa'.
Nada a fazer: a temporada pré-Oscars instala um espírito competitivo que substitui as nuances do gosto cinéfilo por um banal jogo de “prós” e “contras”. Na prática, isso traduz-se em coisas do género: será que O Artista é “melhor” ou “pior” que Cavalo de Guerra, de Steven Spielberg? Por mim, apenas espero que O Artista tenha a avalanche de prémios que se antevê... para que, finalmente, possamos começar a falar de cinema!
Repare-se: não se trata de dizer (como eu digo) que o simpático divertimento que é O Artista não aguenta qualquer comparação com a complexidade de narrativa e mise en scène de um filme como Cavalo de Guerra – todas as diferenças de perspectiva são salutares. Trata-se, isso sim, de sublinhar que não é possível compreender Cavalo de Guerra a partir da mentalidade bélica de “vencedores” e “vencidos” que contamina todo o espaço mediático, do futebol à política, passando pela vida sexual dos “famosos”.
Porquê? Porque Cavalo de Guerra é um filme não alinhado com o seu tempo: Spielberg filma, não para celebrar a euforia tecnológica da indústria cinematográfica (de que ele é, em qualquer caso, ao longo dos últimos 35 anos, um dos principais motores), mas sim para reencontrar o fôlego épico de um modelo de espectáculo cujos mestres se chamam David W. Griffith (1875-1948) ou John Ford (1894-1973).
A história de Albert (Jeremy Irvine) e do seu cavalo Joey transcende a mera revisitação do clássico filme de guerra, já que nele se persegue a questão chave do imaginário americano: que significa construir uma identidade e qual o papel da família nesse processo? Com Cavalo de Guerra, confirmamos também que tal questão passa pelos campos de batalha da Europa. E não é fácil merecer tal reconhecimento.