segunda-feira, fevereiro 13, 2012

Quem tudo quer...


Que a presença da música portuguesa deve ser assegurada na rádio e que uma estação de serviço público deve estar ainda mais atenta a esta realidade é conversa já tão antiga (e resolvida) que nem levanta já a discussão. Mas ir do oito ao oitenta, ou do bom senso ao cem por cento, é debate que vale a pena lançar antes de tomar decisões que se revelem como aqueles feitiços que se voltam contra os feiticeiros.

A ideia de transformar a Antena 3 (da RDP) numa estação 100% feita de música portuguesa é talvez das propostas mais infelizes (porque absolutamente incapaz de se traduzir em resultados) que se abateram sobre o FM nacional nos últimos tempos. E nem se questiona se temos produção para assegurar 100% de música para 100% de emissão. Porque numa sociedade de informação global, com o mundo à distância de um clic (seja no computador ou no botão que sintoniza uma estação), quem aceitar ser ouvinte de apenas parte da realidade sabe que escolhe assim ser excluído do resto. Na idade da informação aceitamos viver excluídos? Não... E a solução é simples: basta mudar de estação ou avançar pela Internet onde música é coisa que não falta (e ninguém está a falar de pirataria, ok?). Ou seja, o 100% de música portuguesa pode até fazer boa figura em discursos de protecionismo. Mas na verdade traduzir-se-á em menos divulgação porque, com menos ouvintes (e não tenhamos dúvida que isso acontecerá), quanto valem afinal os 100% apregoados?

Além disso, alguém imagina os músicos portugueses a não dar atenção a nada que chegue de para lá de Vilar Formoso ou Vila Real de Santo António? Então porque se acha que quem os ouvir depois na rádio a tal fique obrigado?

Dar visibilidade à música portuguesa, no contexto de uma rádio jovem (como é suposta ser a missão da Antena 3) não é uma questão que se explique apenas com números de quotas. Sobretudo quando não devidamente refletidos. Há um trabalho mais amplo e integrado para que o que se divulga faça sentido no quadro do mundo em que vivemos. Há que relacionar o que aqui surge com o contexto que lhe serve de cenário (e muitas vezes modelo de referência). Há que entender que defender a música portuguesa na programação de uma estação como a Antena 3 passa pela criação de um relacionamento dos músicos com quem os ouve (daí as sessões especiais em estúdio, os concertos, as entrevias), mas num diálogo com o mundo real à sua volta. Ouvir e divulgar novos talentos, abrir espaço à invenção do que hoje somos e amanhã podemos vir a ser. Mas cientes de que há um mundo à nossa volta. Orgulhosamente sós é que não.

Uma Antena 3 a 100% de música portuguesa parece aquilo que seria a transformação de uma cidade que eventualmente teria um gueto num gueto que passa a ser a cidade. Ninguém gosta de guetos. E quem puder sair, sairá da cidade... Não somos obrigados a ficar a ouvir, pois não?