quinta-feira, fevereiro 02, 2012

Discos Pe(r)didos:
Fortran 5, Blues


Fortran 5
"Blues"
Mute Records
(1991)

A revolução de costumes que mudou o perfil (e visibilidade) da música de dança entre 1987 e 88, a maior divulgação dos trabalhos de pioneiros do tecnho e da house que se seguiu e o surgimento de novas máquinas ao serviço da criação de música abriu portas para o surgimento de uma multidão de ideias que se expressaram num sem fim de discos que, entre 1989 e 1992 mudaram o mapa global da música electrónica (e suas periferias). Entre novos artistas e novas encarnações de outros já experientes, o panorama discográfico acolheu estreias atrás de estreias, algumas, mesmo com impacte naquele tempo, acabando todavia arrumadas (e hoje algo esquecidas) nas prateleiras da memória. Recuperamos hoje o álbum de estreia de uma dupla que valeu a pena acompanhar na primeira metade dos anos 90. Já tinham carreira nos oitentas. De resto, respondendo como I Start Counting, David Barker e Simon Leonard já tinham uma discografia que contava já dois álbuns e mais de meia dúzia de singles, lançados via Mute Records entre 1984 e 89. Mudaram de nome e afinaram azimutes a novo rumo com a chegada dos noventas, passando a apresentar-se como Fortran 5 e revelando não apenas maior atenção para com as programações rítmicas e registos electrónicos, mas também um interesse pela construção de ideias pela soma de samples, muitas das vozes (sobretudo no primeiro álbum) resultando de situações de corte e colagem. A estreia fez-se ao som de Crazy Earth, pouco depois chegando Blues, um álbum de estreia que arrumava a nova montra de propostas das dupla Barker/Leonard entre os cenários de modernidade que desenhavam aceitando heranças formadoras, nomeadamente uma admiração maior por Syd Barrett (que se manifesta, porexemplo, em duas abordagens ao histórico Bike, do álbum de estreia dos Pink Floyd). Blues é um disco de horizontes largos e gosto pelo tactear de novos caminhos. Do mais direto apelo de formas ligadas à construção para a pista de dança (como se escuta em temas como Groove, Love Baby ou XX21) ao paisagismo textural de Blues Pt. 1 ou Inanga este é um disco que, sem querer ser paradigma daquele tempo, acaba no entanto por revelar afinidades com outros seus contemporâneos (como os Fluke, Hypnotone, 808 State ou The Orb), apesar de deixar claramente vincadas marcas de personalidade (uma certa britishness, por exemplo) que os demarcaram e lhes garantiram a afirmação de uma identidade. O disco inclui pequenas pérolas como Heart Down The Line, canção pop com tempero house e a contribuição vocal das Miranda Sex Garden, o single de estreia Crazy Earth ou a desconstrução de Bike (em duas versões), usando excertos de diálogos de humoristas britânicos (um deles Steve James) para reconstruir a letra do tema dos Pink Floyd. Fruto de assimilação de ecos da cultura house e de outros sinais dos tempos que se viviam, Blues é essencialmente um espelho (interessante, sublinhe-se) do mundo ao seu redor, não deixando contudo de marcar o seu espaço pela forma como arrumou as suas idiossincrasias entre a mobília e a decoração da casa.