Como manter uma franchise construída a partir de Sherlock Holmes? Não é fácil e os resultados do segundo título da série, sob a direcção de Guy Ritchie, são a prova disso mesmo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (4 Janeiro), com o título 'O marketing não é de Conan Doyle'.
Se acreditarmos que Sir Arthur Conan Doyle (1859-1930) continua a vigiar os destinos de Sherlock Holmes, então menos ainda nos custará a acreditar que os dois filmes de Guy Ritchie com o seu herói o levaram a dar várias voltas na tumba. O primeiro, lançado em 2009, apostava em reduzir o trabalho mental do detective a um jogo de anedotas mais ou menos contagiantes, investindo forte na exuberância tecnológica: era eficaz e feérico. O segundo, Sherlock Holmes: Jogo de Sombras, sofre dessa doença da grande indústria que dá pelo nome de “síndroma da sequela”.
Claro que há alguns momentos de contagiante fogo de artifício. Ritchie possui mesmo um talento muito especial para combinar a aceleração da acção com a utilização da câmara lenta, embora já o tenhamos visto fazer muito melhor no admirável What It Feels Like for a Girl (2001), teledisco [video em baixo] de Madonna (então sua mulher). Mais ainda: há nele a capacidade de tratar o espaço com uma ironia quase circense, emprestando a algumas cenas um sentimento de curiosa e bizarra teatralidade.
Acontece que tudo isso não chega para fazer um espectáculo consistente. Até mesmo os actores estão menorizados: é óbvio que Robert Downey Jr. e Jude Law são vitais para a lógica de marketing do filme, mas ficamos com a sensação desagradável de terem sido convocados por razões que pouco ou nada têm a ver com a versatilidade do seu talento. A motivação do projecto é mais a manutenção comercial da série (até à imagem final que deixa em aberto a possibilidade de um terceiro episódio) e muito menos o processo de recriação da personagem de Conan Doyle. Daí o efeito incómodo, hoje em dia muito comum, de conhecermos o filme todo através do respectivo trailer.