Lana del Rey
“Born to Die”
Polydor
4 / 5
Foi há apenas alguns meses. E ao som de Video Games e Blue Jeans a estreia de Lana del Rey era acolhida com a surpresa de quem saboreava não apenas os encantos de uma descoberta mas também aquela sensação de estar perante uma eventual next big thing. Os meses (na verdade poucos) passaram. Juntou-se a estas canções o teledisco (mais caro e sofisticado) para Born To Die. E perante a constatação de uma biografia com episódios de mudança e construção de uma persona, uma cisão afastou da legião original de seguidores alguns primeiros céticos, outros juntando-se agora que o cenário parece de iminente sucesso (que isto de conviver com o triunfo dos outros ou com aquela coisa da partilha com uma multidão daquilo que nascera como um segredo “nosso” não é de digestão fácil para alguns). Vamos então por partes. Tem pai rico? Não tem pai rico? Desde quanto esse foi argumento a favor ou contra uma carreira? Os Strokes nasceram nos bairros favorecidos de Nova Iorque. Os Ramones nem por isso. Mas são ambos nomes-chave na história rock’n’roll da cidade. A conta do papá não parece ser argumento standard... Chamava-se Lizzy Grant? Pois também David Bowie era David Jones, Bono chama-se Paul e Nick Rhodes é Nicholas Bates... Nem todos têm sorte da mãe lhes ter chamado Madonna Louise... Construir um nome é “tradição” antiga. E faz mal? OK, adiante... A música da jovem Lizzy era diferente? Também o era a de Stefanie Germanotta pré-Gaga, por exemplo. E Scott Walker começou como teen star, muito longe do que apresentou quer nos Walker Brothers ou nos seus marcantes discos a solo dos sessentas... Não é de ficarmos satisfeitos pela evolução? Não precisamos na verdade de evocar outros para escutar o caminho de segura e inteligente mudança que transformou Lizzy Grant em Lana del Rey (e convenhamos que a soma de metade do nome de Lana Turner com a evocação do modelo Ford del Rey tem mais pop appeal). Fazemo-lo apenas para mostrar como uma atitude chamada preconceito por vezes tolda as avaliações do que escutamos, vemos ou lemos. Lana del Rey não inventou, na verdade, nada que antes não tivesse sido feito antes por outros (e não quer isto dizer que a coloquemos ao nível de um Bowie ou Walker, naturalmente). Talvez o tropeção recente no Saturday Night Live mostre que há ainda fragilidades vocais a corrigir. Mas alguém se recorda daquela “fífia” constrangedora de Simon Le Bon no final de A View to a Kill, em pleno Live Aid, em 1985, já os Duran Duran eram, desde 81, um fenómeno global? Eu lembro... E se a afinação exemplar de uma Celine Dion é modelo a admirar, então não falamos do mesmo...
Mas, arrumados os argumentos exteriores ao álbum, e cabendo agora a cada um, ouvidas as canções, decidir se gosta ou nem por isso, falemos do disco de estreia de Lana del Rey (que das comparações com Lizzy Grant tratarmos com outra propriedade quando se confirmar a recentemente prometida reedição do seu álbum de estreia). Chama-se Born to Die e é, simplesmente, o primeiro “caso” de 2012. As canções que conhecíamos de 2011 são um ponto de partida. Um espaço. Mas não um template. E o que o disco mostra é que há mais por aqui que apenas uma encenação gourmet de melancolia com ares de coisa nostálgica e boa direção artística. Se caminharmos entre o que nos conta Lana del Rey o disco dá conta de quem é, do mundo e do tempo em que vive. Vem do hip hop, não do punk, canta em Blue Jeans quando revela o clima em que cresceu, essa verdade traduzindo-se nos temperos que moldam National Anthem, afinal nada mais senão a expressão de marcas do genoma do ambiente em que tomou consciência da música ao seu redor. De resto, pelos caminhos de Born to Die, e sem que tal manche a persona, há mais luz pop que a cenografia de escuridão que assombrava os cartões de visita com que a descobrimos em 2011. Se Dark Paradise, Million Dollar Man, Lucky Ones ou Summertime Sadness seguem mais de perto o “cânone” definido por Video Games e Blue Jeans, já Radio ou Lolita abrem janelas a outros ares que deixam pontas soltas para eventuais cenas dos próximos capítulos... Born to Die é pois coisa pop. Uma pop refletida, atenta a formas, capaz de suportar a construção de uma estrela com uma mão cheia de boas canções (se bem que Off To The Races ou Carmen podiam ter ficado pelo chão da sala de montagem e a menor This Is What Makes Us Girls parece algo caída, sabe-se lá de onde, para o alinhamento de outro disco que não este). Há aqui ecos da elegância sinfonista de uma Nancy Sinatra e do apelo cinematográfico de uma Julee Cruise (na etapa em que trabalhou com Angelo Badalamenti). Há escuridão, mas também brilho. Melodrama. Onde anda a verdade no meio de tudo isto? No fundo as fronteiras esbatem-se. As fronteiras entre a ficção e o real, entenda-se, tal e qual a própria sugere a dada altura em National Anthem. Não procuremos por isso aqui as “verdades” de uns Dardenne, mais as visões um David Lynch... A verdade maior é a da capacidade em fazer de uma mão cheia de canções um instante de fantasia. Não escapista, mas plástica e emocionalmente envolvente. Não o fizeram sempre, e cada qual à sua maneira, os nomes maiores da música pop? Ou temos todos de responder pela mesma agenda?