Os Globos de Ouro tornaram-se incontornáveis na dinâmica global de Hollywood — este texto foi publicado no Diário de Notícias (15 Janeiro), antes da respectiva cerimónia, com o título 'Muitos prémios e pouca cinefilia'.
Tempos houve em que os prémios do cinema americano eram, no essencial, os Oscars: as estatuetas douradas resumiam a celebração da indústria cinematográfica pelos seus próprios profissionais (cerca de 6 mil membros da Academia de Hollywood) e tudo o resto, incluindo as distinções das associações de críticos, surgia como complemento curioso, mas devidamente encaixado no seu nicho profissional.
Tal deixou de acontecer quando a percepção mediática dos prémios passou a ser dominada pela visão do cinema como uma colecção de gente mais ou menos fútil, atravessando passadeiras vermelhas e disputando prémios atrás de prémios. Nesta conjuntura, a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood (na prática, 88 jornalistas) conseguiu um protagonismo que se traduz na afirmação falaciosa segundo a qual os Globos “antecipam” os Oscars... Como o ano passado, por exemplo, em que nem sequer houve coincidências nas categorias principais: A Rede Social e Os Miúdos Estão Bem receberam os Globos de melhores filmes (drama e comédia, respectivamente), enquanto O Discurso do Rei foi distinguido com o Oscar.
Claro que a comunidade de Hollywood encara os Globos com disponibilidade e simpatia. Porque não? O que importa questionar é a redução dos espaços clássicos da cinefilia. As especificidades dos filmes deixaram de ser pertinentes, enaltecendo-se antes a “justiça” dos resultados, como no futebol. Em última análise, tenta-se atrair um público dominado pelos sistemas de consagração das televisões, confundindo a linguagem dos filmes com a exaltação de um glamour desligado de qualquer conceito de espectáculo. Há, por certo, magníficos filmes nomeados, mas a ideia de cinema que subjaz a tudo isto é cada vez mais débil.