domingo, janeiro 22, 2012

Glass: um retrato em três partes


Três documentários sobre Philip Glass. Um dos anos 80, realizado por Peter Greenaway. Os outros dois datam já do século XXI. Em conjunto dão-nos uma visão de uma figura maior da música do nosso tempo.

E começamos em 1983. Foi através deste documentário que, pela primeira vez, vi a figura de Philip Glass. Tinha escutado nessa semana um disco seu quando a RTP2 apresentou o episódio da série Four American Composers, de Peter Greenaway, que lhe era dedicado (os outros três sendo John Cage, Meredith Monk e Robert Ashley). O filme centra-se numa atuação do Philip Glass Ensemble com programa dividido entre excertos de Einstein on The Beach e Glassworks, juntando ainda Music in Similar Motion. Ao longo da atuação escutamos ainda vários momentos de entrevistas entrevistas na qual o compositor contextualiza a sua música e recorda como foram os seus primeiros anos de trabalho com o ensemble e a forma como as pessoas foram reagindo à sua música. Os próprios músicos do ensemble apresentam ainda a sua relação com a música de Glass. Na reta final do filme Glass descreve o aparente paradoxo que define, no fundo, o poder que a sua música tem de cruzar gostos e visões: “Há quem goste porque é barulhenta, é quem goste porque é rápida, há quem goste porque é muito clássica, há quem goste porque não é clássica, há quem goste porque soa a música indie e quem goste porque acha que não soa a música indie... Tem tudo a ver com a idade de cada um e com o que cada pessoa traz à música. O certo é que o desenvolvimento da música popular nos últimos dez anos foi muito importante para nós. E quando falo em nós refiro-me ao ensemble”, diz o compositor.

De 2005 data Looking Glass, de Eric Darmon. Já editado em DVD, o filme segue uma lógica algo convencional, juntando imagens de arquivo (de Einstein On The Beach) a outras de produções mais recentes (como por exemplo Akhnaten), tomando como medula central do olhar sobre o compositor um conjunto de entrevistas feitas em redor dos espaços onde vive o seu dia a dia. Da sala de trabalho em sua casa a momentos de gravação em estúdio (para uma banda sonora) ou trabalhos de bastidores para concertos ou mesmo uma entrevista na rádio, o filme procura o retrato do compositor. Consegue dar-nos uma ideia sobre quem é, de onde vem a sua música e o que conquistou. Mas fica aquém da visão mais próxima e humana que Scott Hicks depois alcançaria naquele que é, até hoje, o melhor documentário sobre Philip Glass.

Entre os filmes dedicados à música de Philip Glass tem natural destaque o absolutamente encantador Glass: A Portrait of Philip in Twelve Parts, de Scott Hicks. Trata-se de um olhar que cruza os espaços de trabalho com os que fazem a vida pessoal do compositor, daqueles que vivem ao seu redor e das ideias que o animam. Em 2009, quando aqui apresentei o filme dizia: “Scott Hicks acompanhou Philip Glass durante 18 meses. Visitou o seu escritório de trabalho em casa, explicando a sua mulher que aquela aparente desarrumação é a sua arrumação. Vemo-lo depois nos Looking Glass Studios, outro dos seus espaços de labor diário em Nova Iorque, em sessão de trabalho com Nico Muhly. Mais tarde fala de trabalho e de espiritualidades enquanto prepara pizzas para a família e amigos na sua casa de férias. Acompanhamo-lo em ensaios de uma ópera na Alemanha e de um recital a solo na Austrália… Com ele entramos pela sala onde Woody Allen fazia a montagem de Cassandra’s Dream. Martin Scorsese, Errol Morris e Godfrey Reggio falam da sua relação com o cinema. E regressamos ao espaço familiar, entre os filhos mais novos e o mais velho, entre as histórias do presente e algumas memórias que ajudam a contar esta história. Glass: A Portrait Of Philip In Twelve Parts é um filme que nos revela um espaço privado sem nos dar nunca a sensação de estarmos a ser intrusos. Tranquilo e bem humorado, Philip Glass aceita a presença da curiosidade da câmara. As suas palavras vão lançando o texto no contexto. E quando lhe perguntam qual será o segredo para o que já atingiu, responde sem pausa: levantar cedo todos os dias e trabalhar”. Outra das grandes respostas de Glass surge, logo no início do filme, quando comenta o facto de haver quem não goste da sua música. Ao que diz: “Há tanta música no mundo, não têm de gostar da minha. Há Mozart, há os Beatles, oiçam outra coisa... Têm a minha bênção... Oiçam outra coisa... Não quero saber...”. Na mouche!




Imagens do trailer de Glass: a Portrait of Philip in Twelve Parts.