Dois olhares sobre a obra orquestral de Beethoven. Um deles em gravações bem recentes pela Gewandhausorchester, dirigida por Riccardo Chailly, o outro juntando uma série de gravações de Karajan com a Berliner Philharmokiner.
Se é da mudança que vive a evolução a verdade é que nem tudo o que foi tem de deixar de o ser. Por outras palavras, há tradições que resistem ao tempo. E a relação da Gewandhausorchester de Leipzig com a música de Beethoven (1770-1827) é história inseparável a caminho dos 200 anos de vida. Foi em 1825 que ali foi apresentado, pela primeira vez, um ciclo integral das nove sinfonias do compositor. Beethoven trabalhava então em alguns dos seus últimos quartetos de cordas e projetava a ideia de uma décima sinfonia quando o ciclo ganhou forma. Foi Johann Philipp Christian quem dirigiu essa primeira integral, criando uma tradição que os maestros que lhe sucederam no posto mantiveram (há mesmo uma incontornável “nona” anual pela orquestra), entre eles nomes como os de Felix Mendelssohn (dois ciclos completos, um em 1839, outro em 1841), Wilhelm Furtwangler, Bruno Walter, Kurt Masur e, agora, Riccardo Chally.
E é assim que chegamos à mais recente edição de uma integral em disco das sinfonias de Beethoven . Pela Decca Classics a Gewandhausorchester e Chailly regista um trabalho que começou por passar pelos palcos, teve este registo em disco (no formato de caixa de 5 CD) em finais de 2011 e este ano vai brevemente conhecer novos lançamentos em cinco títulos separados. Sem procurar necessariamente uma interpretação “de época” (Gardiner e Harnoncourt registaram ciclos de referência nesse departamento nos anos 90), o maestro italiano encara todavia a obra de Beethoven segundo uma abordagem que o aproxima mais das intenções originais do compositor que de uma certa solenidade grave que o tempo foi imprimindo a algumas outras interpretações. É até por isso mesmo curioso o facto de, em simultâneo com esta edição, chegar ao mercado um outro ciclo integral dedicado a Beethoven, assinado por Herbert von Karajan.
Se da relação da música de Beethoven com a Gewanhausorchester podemos falar de uma sólida tradição, da que Karajan desenvolveu com o compositor não podemos dizer menos. Por quatro vezes gravou uma integral das suas sinfonias, três delas com a Berliner Philharmoniker (de 1961 a 62, entre 1975 e 77 e, mais tarde, de 1982 a 85). O primeiro dos ciclos foi lançado em 1963, o lançamento encarando-o mesmo como a primeira integral sinfónica de Beethoven editada em disco dessa forma e representou um êxito de vendas assinalável. Não datam desse tempo as gravações das nove sinfonias que esta outra caixa reúne, na verdade recolhendo antes as gravações dos anos 80, às quais junta outras obras que Karajan gravou para a Deutsche Grammophon, incluindo as aberturas sinfónicas (sete delas escutamo-las também nas mais recentes gravações de Chailly), os cinco concertos para piano, o concerto para violino e a Missa Solene). Estas outras obras juntam ao maestro e orquestra a presença de nomes como os de Anne Sophie Mutter, Yo Yo Ma, Agnes Baltsa ou José Van Dam. A luminosidade e pulsão rítmica das abordagens de Chailly conhece aqui contraste no fulgor que Karajan arranca à muito característica sonoridade da orquestra berlinense.