O novo perfume de Madonna ostenta o nome do seu "anti-documentário" de 1991, Truth or Dare (entre nós: Na Cama com Madonna), realizado por Alek Keshishian. A sua promoção parte de um trabalho fotográfico de Mert Alas e Marcus Piggott e explora um velho dispositivo de glamour: a estrela que se duplica e, de algum modo, contempla na sua própria imagem no espelho.
Assim, é verdade que esse jogo de espelho(s) faz parte de muitas formas correntes de tratamento da star, em particular no domínio publicitário. Com uma essencial componente de narcisismo, perversamente partilhado com o espectador/consumidor: a estrela é aquela (ou aquele) que se envolve na fruição da sua própria imagem.
Mas não é menos verdade que, não poucas vezes, no imaginário contemporâneo da celebridade (veja-se o filme Celebrity, de Woody Allen, recentemente lançado entre nós, em DVD), a estrela parece viver tão só da produção da sua imagem, com ela se confundindo, porventura nela se esgotando. Exemplo recente: as fotografias de Megan Fox para uma campanha da Armani — belas e estranhas imagens: a figura satisfaz-se num regime de casta autocontemplação, já não há lugar para o vai-vém sensual entre o corpo e o reflexo, o espelho confunde-se com a imagem.
A fotografia de Madonna, por Mert & Marcus, pertence a um universo primitivo do glamour (resta saber se sem este primitivismo ainda há glamour?). As suas raízes estão menos no universo publicitário e mais no sistema figurativo clássico do cinema e dos seus intérpretes (que é também, obviamente, o sistema figurativo do cinema clássico). Tal como outras estrelas que aqui se recordam [fotos em baixo], Madonna oferece-se — dissimula-se e escapa-se — através da coexistência lúdica, algo incestuosa, com a sua própria imagem, por assim dizer desafiando o espelho a devolver-lhe uma verdade que ela ainda não tenha dito.
Com um detalhe que lhe confere uma aguda consciência crítica do classicismo: não há simetria entre o corpo e a sua imagem (repare-se, em particular, na diferença dos olhos).
Com um detalhe que lhe confere uma aguda consciência crítica do classicismo: não há simetria entre o corpo e a sua imagem (repare-se, em particular, na diferença dos olhos).
Quer isto dizer que, no limite, também não há distinção entre a materialidade do corpo e a imaterialidade da imagem. Como nos muitos telediscos em que se duplica (Material Girl, Papa Don't Preach, Bad Girl, etc., etc., etc.), Madonna leva-nos a reconhecer que não sabemos se estamos ao lado da pessoa ou do lado da imagem — em termos artísticos, é um princípio erótico; no plano específico da imagem, uma ética do olhar.
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