quinta-feira, dezembro 22, 2011
'O Corcunda de Notre Dame' (1996)
por Hugo Sérgio Fernandes
Este mês pedimos a uma série de amigos que nos falassem do “seu” filme da Disney. Hoje recordamos O Corcunda de Notre Dame, longa-metragem de 1996 que aqui é evocada por Hugo Sérgio Fernandes, arquitecto e autor do blogue Fra Balkongen. Um muito obrigado ao Hugo pela colaboração.
Reflectir sobre os clássicos da Walt Disney é realizar uma viagem no tempo e regressar aos tempos de infância e adolescência, quando cada novo filme era uma promessa de entretenimento, cor, aventuras e um final feliz que frequentemente conduzia também à leitura das obras que tinham servido de inspiração aos filmes, incentivando o contacto com alguns clássicos da literatura e autores de outra forma mal conhecidos. O Corcunda de Notre Dame foi um desses filmes e revê-lo hoje é redescobrir uma teia de referências e informação para além dos valores morais comuns aos filmes da Disney.
O Corcunda de Notre Dame constitui uma adaptação da obra Notre Dame de Paris de Victor Hugo (1802-1885), publicada em 1831, quando o escritor contava 28 anos. O livro tinha como objectivo chamar a atenção para a necessidade de preservação do património construído medieval, e especificamente da Catedral de Notre Dame, na Ilê de la Cité, Paris, que estava a ser progressivamente dizimado um pouco por toda a cidade. O livro pretendia ser uma homenagem à Catedral e nesse sentido o filme segue de muito perto esse objectivo tendo em conta que é rara a cena onde o majestoso edifício não está presente, apesar de o título dar a ênfase ao corcunda Quasimodo, personagem que surgiria título pela primeira vez na segunda tradução inglesa em 1833.
Victor Hugo é considerado o iniciador de um movimento de preservação da arquitectura medieval que juntamente com o arquitecto Viollet-le-Duc (1814-1879), fundador teórico dos movimentos arquitectónicos revivalistas do século XX, culminaria numa grande campanha de “restauro” e conservação da Catedral de Notre Dame que duraria cerca de 25 anos. Embora muitas das opções de Viollet-le-Duc sejam actualmente postas em causa, este contribuiu decisivamente para a preservação e o conhecimento que hoje existe da arquitectura medieval, em particular a gótica.
A Catedral de Notre Dame, construída entre 1162 e 1345, por iniciativa do Bispo Maurice de Sully e iniciada durante o reinado de Luís VII, constitui desde a sua construção um dos pontos centrais de Paris, tendo sido palco para vários acontecimentos marcantes da História da cidade e do País. O edifício de planta cruciforme constitui um marco da arquitectura gótica, incorporando várias inovações técnicas e estilísticas que iriam posteriormente ser repetidas e desenvolvidas um pouco por toda a Europa. O filme da Disney capta no essencial os pontos principais do edifício destacando os arcobotantes, a enorme rosácea da fachada ocidental e os magníficos vitrais ou as gárgulas, fiéis amigas de Quasimodo e cujos nomes são Victor e Hugo.
O filme revela também um grande cuidado na representação de um determinado tipo de urbanismo medieval e da relação da Catedral com a cidade, decalcando quase ponto por ponto os mapas conhecidos da Paris do século XV. Ao invés de apresentar a Catedral como um objecto isolado tal como pode ser apreciado actualmente, Notre Dame aparece como parte de uma massa construída, onde se mesclam as diferentes funções da cidade.
É esta sobreposição de layers e até rigor, para um filme de animação com um público-alvo bastante específico, que fazem com que o O corcunda de Notre Dame seja um dos meus filmes preferidos da Disney.