sexta-feira, novembro 18, 2011

Uma cidade com gente dentro



Esta é a versão editada de um texto que foi publicado na edição de 16 de Novembro do DN com o título ‘Retrato de uma cidade pelas histórias dos que nela vivem’.

Mora na foz do rio Yangtze e é casa para mais de 18 milhões e meio de habitantes. Foi importante porta para rotas comerciais entre a China e o mundo ocidental desde meados do século XIX. E no ano passado recebeu uma exposição mundial que, de certa forma, se bem que num contexto diferente, recordou uma antiga história de relacionamento da cidade com forasteiros. E é entre as memórias remotas do Tratado de Nanquim (que data de 1842, pondo então fim à primeira das Guerras do Ópio e abrindo espaço a concessões estrangeiras em cinco ciudades chinesas, uma delas Xangai) e a mais recente construção dos pavilhões da Expo de 2010 que encontramos os olhares sobre Xangai que Jia Zhang-ke (o mesmo realizador de Plataforma ou O Mundo) apresenta no documentário Histórias de Shanghai - Quem Me Dera Saber.

É entre uma série de imagens do quotidiano de Xangai que o realizador arruma as histórias, contadas sempre na primeira pessoa e que, na sua maioria, recordam momentos difíceis que chegaram com a Revolução Cultural, no final dos anos 40. Jia Zhang-ke escolhe sobretudo figuras cujas narrativas de vida (ou de família) os rumos da história política chinesa mudaram com a mudança de regime. Em planos sempre escolhidos por quem sabe olhar, vemos e escutamos memórias de filhos das elites financeiras ou culturais da ciudade. Ainda as palavras de uma mulher cuja única memória do pai se resume a fotos do momento em que saiu do tribunal que o condenou à norte (ainda ela não tinha nascido). Ou a experiencia mais recente de um joven na casa dos vinte e poucos anos que, com os direitos de autor de um primeiro livro, comprou o seu carro de corridas e hoje ganha (e bem) a vida nas pistas… Histórias que trazem ecos de um pasado mais distante que é coisa de memória, as marcas de quem viveu a “revolução” e a nova ordem que começou a ganhar forma após as reformas que começaram a surgir nos anos 90 são o tutano de uma história que o realizador junta a olhares sobre a cidade (não esquecendo ainda que alguns dos seus filhos a dada altura procuraram novo porto em Taipei ou Hong Kong, onde a câmara os segue, escuta e observa).

Além destas histórias com gente dentro, o filme mostra-nos ainda como o cinema pode ser um veículo importante para a construção de um conjunto de memórias sobre um lugar e a comunidade que nele vive. Da agenda de propaganda do filme Zhan Shanghai (1959), de Wang Bing, à visão (que gerou inquietude local) de Michelangelo Antonioni em Chung Kuo-Cina (1972), passando por Spring in a Small Town (1948), de Fei Mu, Two Stage Sisters (1964), de Xie Jin, ou os mais recentes Red Persimmon (1996), de Wang Tong, (que é um dos entrevistados) a Flowers Of Shanghai (1998), de Hou Hsiao-Hsien, surgem pontos de vista que complementam o retrato com uma dimensão que vai além de um mero enumerar de factos e recordações. De resto, a própria figura de uma mulher vestida de branco que surge em vários momentos e locais, quase como se de um refrão de canção se tratasse, assegura ao retrato de Xangai o olhar mais plástico e pessoal que faz deste filme uma experiência rara e bela.



Imagens do trailer do filme