quarta-feira, novembro 16, 2011

Sem tempo? Ou, antes, sem rumo?


As premissas eram até bem interessantes. Num mundo do futuro (ali pelo ano 2161) a sociedade evoluiu para um modelo que prevê que ninguém envelheça. A manipulação genética atingiu um ponto em que não permite que ninguém nunca pareça ter mais de 25 anos. Mas a conquista tem um preço: o tempo. Ou seja, atingidos os 25 anos, todos vêem activado no seu braço um relógio que vive em permanente contagem decrescente. A cada ser humano é dado um ano. Quem tem dinheiro (e o tempo é a nova unidade monetária) compra mais horas, dias, anos, séculos de vida. Quem não tem... acaba ali mesmo uma vez atingido o zero. Falamos de Sem Tempo, o novo filme de Andrew Niccol estreado na última semana entre nós.

E há mais. E, uma vez mais no campo das premissas, a coisa volta a ser interessante. Ora vejam... O tempo é coisa finita, abunda entre os riscos e é escasso entre os que o não são (até aqui nada de novo, que temos séculos de vidas assim). A diferença faz-se numa segmentação do espaço em time zones, a dos ricos obrigando a pagamentos de dias, meses ou mesmo anos para lá entrar. E quem os não tem não pode senão ver-se confinado à sua zona, comprando o dia a dia esperando nunca ver o braço reduzido a zeros... É numa zona com ar de gueto que vive o protagonista. Will Salas (interpretado por Justin Timberlake) divide a casa com a mãe e ganha um dia a cada dia que passa. Em tempo real tem já 28 anos... Mas uma esperança de vida nunca muito para lá de uma luta diária pela sobrevivência. Um encontro com um rico, de 105 anos de tempo real (e sempre com a aparência de ter uns 25) e cansado de viver (e do modelo de sociedade instalado) desce ao gueto em busca de um fim. Guarda apenas uns minutos para si, entrega uma fortuna em anos a Will e diz-lhe verdades que não imagina. No gueto nunca se viu o mundo dos ricos. Nem imagina o que, na verdade, controla o sistema. Com tempo no braço ruma à cidade rica. Deixa-se notar por fazer tudo mais depressa (ali há tanto tempo que lhes dá tempo de sobra para tudo...). Conhece um ricaço, a sua filha... E, localizado pelos vigilantes do tempo, acaba por com ela fugir. E depois, e entra agora a vitamina que supostamente é gatilho para a acção avançar para outro patamar, ela acaba todavia do seu lado, os dois encetando assim uma luta contra o tempo (e na verdade a forma como quem o controla o distribui), transformando-se numa espécie de revisitação do par Bonnie & Clyde, mas com alma de Robin dos Bosques.

Derivação de uma noção de sociedade distópica estratificada (de forma algo distinta da visão de Huxley em O Admirável Mundo Novo), Sem Tempo retoma uma questão cara à ficção científica e já explorada, por exemplo, no histórico Logan’s Run de William S Nolan e George Clayton Johnson (adaptado ao cinema por Michael Anderson, em 1976, como Fuga No Século XXIII): a da imposição de um tempo limite de vida bem antes do seu espaço natural.

Mas mesmo com a mão cheia de boas ideias que eventualmente poderiam lançar uma bela narrativa, Sem Tempo revela-se afinal um filme sem capacidade para as gerir, acabando por se estatelar em mais uma manifestação do género bons-e-fracos contra maus-e-poderosos, com um polícia cumpridor pelo meio, perseguições de automóveis, tiros, passos de corrida por telhados... Enfim... Além das fracas composições das personagens e medíocre trabalho dos actores, o filme fica muito aquém do tom sombrio com que um Soylent Green ou um Blade Runner distinguia os espaços das elites e da multidão sem patente em cenários de futuro com sociedades igualmente estratificadas. A milhas do esperado de um Andrew Niccol que, em 1997, assinou em Gattaca um dos melhores exemplos do cinema de ficção científica dos anos 90.



Imagens do trailer do filme.