quarta-feira, novembro 09, 2011

Peter Suschitzky, fotógrafo

Peter Suschitzy, notabilíssimo director de fotografia, personalidade fundamental na obra de David Cronenberg, está presente no Lisbon & Estoril Film Festival também na condição de fotógrafo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (6 de Novembro), com o título 'Peter Suschitzky a preto e branco'.

O Festival de Cinema do Estoril está em plena expansão. Desde logo, porque a edição deste ano se estende a Lisboa, justificando a designação Lisbon & Estoril Film Festival (até dia 13); depois, porque a programação aposta numa diversificação de conteúdos que volta a englobar a música e a fotografia. Nesta área, as duas exposições de Peter Suschitzky merecem um destaque muito especial: “Observations of Life” está patente no Centro de Congressos do Estoril, enquanto “Nudes” pode ser vista no Museu Nacional de História Natural e da Ciência (onde também se encontram as imagens de “Drive by Night”, de Darius Khondji).
Suschitzky, convém recordar, é um notável director de fotografia cujo trabalho se tornou indissociável dos filmes de David Cronenberg, desde 1988, com Irmãos Inseparáveis. As suas mais recentes colaborações são Um Método Perigoso (admirável retrato das relações Freud/Jung, que também passa no festival e tem estreia portuguesa anunciada para 24 de Novembro) e Cosmopolis (produzido por Paulo Branco, actualmente em fase de montagem). Entre as dezenas de filmes fotografados por Suschitzky incluem-se Charlie Bubbles (Albert Finney, 1967), The Pied Piper (Jacques Demy, 1972), The Rocky Horror Picture Show (Jim Sharman, 1978), O Império Contra-Ataca (Irvin Kershner, 1980) e Marte Ataca! (Tim Burton, 1996).
Há nas fotografias de Suschitzky uma evidente paixão pelos desígnios da luz natural (apetece dizer: pelos desígnios naturais da luz). É, por certo, uma paixão recheada de ambiguidade, aliás bem sensível nas imagens dos interiores de Um Método Perigoso, apostando de forma clínica em sofisticados equilíbrios com a luz que entra pelas janelas. Envolve, em qualquer caso, uma tocante nostalgia por uma prática fotográfica enraizada em opções assumidamente “primitivas”, seduzidas pelo retorno ao preto e branco. Suschitzky o disse, na inauguração da exposição “Nudes”: para além de uma certa distanciação em relação aos novos recursos digitais, o preto e branco é algo que lhe permite um controle muito directo de todas as fases do seu trabalho, executando ele próprio todas as tarefas de revelação e impressão.
Daí as singularidades dos nus femininos assinados por Suschitzky. São fotografias que revalorizam formas antigas de pose, por assim dizer anteriores a qualquer código de glamour. Mais do que isso: na espantosa riqueza das suas nuances de cinzento pressentimos os valores de uma nostalgia que resiste a qualquer formatação “espectacular”. Dir-se-ia que Suschitzky consegue a proeza estética, serenamente pudica, de nos fazer ver que a nudez não é tanto uma “revelação”, mas mais uma espécie de suspensão da própria identidade: as mulheres que ele fotografa são, afinal, estátuas vivas que, por um breve instante, aceitam a ternura distante da luz. E também a maravilhosa austeridade do preto e branco.