É, por certo, uma das mais impressionantes imagens deste ano cinematográfico: um relógio digital inscrito na pele, fazendo corpo com o corpo que o transporta.
Pertence ao filme Sem Tempo (In Time), de Andrew Niccol, autor dos magníficos Gattaca (1997), Simone (2002) e O Senhor da Guerra (2005). Aliás, se há linha de continuidade entre todos estes títulos é, obviamente, a de uma preocupação com os limites do corpo e a sua percepção, transformada em delírio cruel no fascinante The Truman Show/A Vida em Directo, que Niccol apenas escreveu (tendo sido realizado por Peter Weir).
O relógio é, afinal, o sinal mais directo e, por assim dizer, mais carnal da tragédia que se encena em Sem Tempo: ele já não serve para figurar as horas, minutos, segundos... mas o tempo que falta para o seu portador morrer. Porquê? Porque tudo se passa num futuro mais ou menos próximo em que os seres humanos conquistaram a eternidade... desde que tenham meios para comprar tempo e, sobretudo, para irem comprando tempo. Dito de outro modo: nos relógios dos aristocratas, lê-se um tempo de centenas ou mesmo milhares de anos; nos que pertencem às bases da pirâmide social, há apenas dias ou semanas, por vezes alguns desesperados minutos.
Dito isto, diga-se também que não é todos os dias que um filme provoca uma tão amarga desilusão. De facto, Sem Tempo parece obrigado (se calhar, foi mesmo...) a aplicar uma série de receitas mais ou menos automáticas, típicas de um thriller de rotina, porventura de produção televisiva. Algures pelo caminho, Niccol perdeu a energia da espantosa ideia de partida e o seu filme fica como um frágil sintoma do que poderia ter sido. Ou não, porque a história do cinema não se faz dos filmes que nunca foram feitos.