sábado, novembro 05, 2011

Lisbon & Estoril Film Festival 2011 (dia 2)


Foi perante as imagens de Restless (que entre nós vai ter em breve estreia como Inquietos), de Gus Van Sant, que abriu ontem (em Lisboa) a edição 2011 do agora designado Lisbon & Estoril Film Festival.

Dois estranhos que se conhecem. Esta é das premissas mais velhas da ficção (e na verdade das vidas de todos nós). Mas estes dois conhecem-se num velório. Ela (interpretada por Mia Wasikowska) está sentada, despedindo-se. Ele (Henry Hopper) é apenas um estranho. Que ali passa porque não faz outra coisa senão assistir a velórios de pessoas que nunca conheceu. Veste-se de negro, fato antigo, botas altas e gravata... Mas terá as suas razões para ali estar... Ela observa-o, procura comunicar, mais tarde entende-lo. Ele, habituado a falar com Hiroshi, um fantasma de um aviador kamikaze que se despenhara contra o alvo no já longínquo 1941, encontra nela uma companhia diferente. E ela, afinal uma doente terminal com um tumor, e ele o companheiro que não esperava num momento em que não tem senão três meses pela frente.

Gus Van Sant, um dos mais interessantes realizadores do cinema independente norte-americano do nosso tempo, tem desenhado uma carreira capaz de conciliar (de forma rara, é certo) uma pulsão mais autoral (como são os bilhantes exemplos de Elephant, Gerry ou Paranoid Park) com episódios mais próximos de uma certa linguagem ‘mainstream’ (como em Disposta a Tudo ou, mesmo Milk). Inquietos está algures entre os dois mundos, formalmente talvez mais perto de uma ideia de cinema para grandes plateias, todavia mantendo claros alguns interesses que passam por alguns dos seus filmes mais pessoais (nomeadamente o tema da morte, uma relação com a música alternativa e um recurso aos espaços físicos ao seu redor como cenários para a narrativa que nos apresenta). Longe de ser um filme bicéfalo, Inquietos resolve de forma delicada o que poderia parecer haver de desafiante num encontro entre esses dois rumos na obra de Van Sant. Com boa direcção de actores, belíssima música (partitura original de Danny Elfman e canções de Sufjan Stevens ou Nico), um argumento que sabe não tropeçar nas armadilhas da lágrima fácil de um Love Story mas, ao mesmo tempo, manter todo um programa emotivo como tutano que alimenta a narrativa e um saber (já várias vezes demonstrado) no encontrar de bom relacionamento entre espaço e acção, Inquietos é, afinal, uma bela surpresa. E confirma, depois do já sólido Milk, que o realizador parece ter encontrando uma forma de lidar com os seus projectos para o grande público (longe portanto dos equívocos que deitaram por terra os menos interessantes Descobrir Forrester ou O Bom Rebelde).

Podem ler aqui a programação para hoje.