domingo, novembro 06, 2011

Entrevistas de arquivo:
Duran Duran, 2005 (parte 1)


Nick Rhodes, o homem que fez o primeiro download legal da história falou em 2005 em exclusivo ao DN sobre os Duran Duran, entre reflexões sobre o passado e a projecção do futuro. Esta entrevista foi então publicada no suplemento DN:música com o título ‘Regresso ao Futuro’. 

Na sequência da primeira visita a um palco português após 23 anos de ausência, numa noite inesquecível num Coliseu dos Recreios (Lisboa) esgotado e rendido, os Duran Duran reencontaram entre nós um sentido de admiração generalizada, herdeira da verdadeira loucura que varreu o país entre 1981 e 83. A banda, que em Portugal teve o seu primeiro número um (logo com o single Planet Earth), viveu em estado de “duranmania”, que dividiu gostos, gerou inclusivamente anticorpos, mas inscreveu êxitos na vivência pop da época. Depois de 1983 a ressaca votou-os a um papel discreto, progressivamente sucundarizado nos anos seguintes, reduzindo-os a um estatuto de culto, apenas contrariado pelo sucesso generalizado de Ordinary World e respectivo Wedding Album em 1993. Em 2001, depois de sucessivos afastamentos e separações (Roger Taylor em 1985, Andy Taylor em 1986 e John Taylor em 1997), Nick Rhodes e Simon Le Bon, que se mantiveram como núcleo criativo sempre activo, reencontaram-se com os velhos parceiros e restauraram a formação original, “histórica”, dos Duran Duran. Começaram por regressar aos palcos numa digressão em jeito de best of (a ser documentada em Setembro num CD e DVD ao vivo) e gravaram depois Astronaut, um novo álbum de originais. Tanto o álbum como o single que o antecedeu, (Reach Out For) The Sunrise, gozaram de mediatização e sucesso nas tabelas de vendas como a banda não conhecia desde que, em 1985, se despediu da formação original ao levar A View To A Kill aos primeiros lugares dos principais mercados mundiais.
Na tarde da véspera do concerto lisboeta, Nick Rhodes falou comigo naquela que foi a única entrevista dos Duran Duran à imprensa portuguesa durante essa sua visita a Lisboa. Falou de nostalgia, da fama, da etapa de sucesso reduzido entre 1988 e 2001, do seu projecto TV Mania e da Internet como futuro inevitável do mercado da música.

Costumam falar numa necessidade de ainda ser relevantes na música ao fim de mais de 25 anos de carreira [neste momento são já mais de 30]. Como mede essa relevância nos Duran Duran no presente? 
Creio que temos sido bastante afortunados nestes últimos anos. Muitas novas bandas que estão a surgir, e especialmente as mais interessantes como os Franz Ferdinand, Scissor Sisters, The Killers, têm sido generosas nos comentários que fazem sobre os Duran Duran. E citam-nos como uma influência no que fazem. A música cumpriu mais um círculo. Pessoas que cresceram a ouvir a música dos anos 80, não apenas os Duran Duran mas também Prince, os Smiths, os The Cure, Madonna ou os U2 entre muitos outros, estão agora a fazer música. E querem fazer algo que seja original, único e criativo, que no fundo era o que nós também procurávamos quando começámos. Essa atitude nestas novas bandas representa para mim uma lufada de ar fresco, porque sofremos um bocado com toda esta torrente manufacturada através do Pop Idol e programas do género, que não me parece ser uma oferta justa para toda uma geração de adolescentes. Eles precisam de algo seu, da sua geração. Nos últimos quatro anos, desde que nos reunimos na formação original em 2001, houve uma reavaliação dos Duran Duran e as pessoas começam a ver o que atingimos musicalmente. Começam a olhar para as canções, e a verdade é que sobreviveram. Por vezes, quando damos entrevistas em rádios, ouvimos canções antigas, e todas elas soam contemporâneas. Isso, por si só, e nestes dias de tecnologia rápida, é muito agradável.

Incomoda-o o facto de muitos dos artigos recentemente publicados sobre os Duran Duran foquem, essencialmente, o factor nostalgia? 
Não se me incomoda, se bem que não me entusiasme. Mas creio que é um pouco inevitável. Muitas das críticas que temos recebido nesta digressão, algumas em locais onde há muito não tocávamos, falam do impacto que a nossa música teve nos anos 80. Espero que, nas próximas ocasiões, depois de editarmos o álbum que se seguirá a Astronaut, não haja tanta concentração de atenções na nostalgia. Espero que então se fale do facto de estarmos a fazer uma nova digressão.

Com o álbum Astronaut tiveram exposição e sucesso como não gozavam desde meados de 80 (excepto, talvez, o Wedding Album). Sente que media e público foram injustos perante a música que os Duran Duran fizeram durante este intervalo? 
Não podemos ter sempre tudo o que queremos. E tivemos muita sorte por não deixado nunca de ter um público. Cresceu e diminuiu e em locais diferentes. Umas vezes estávamos bem na Alemanha ou em Itália... Aqui e ali ora piorava ora melhorava. Os críticos, por seu lado, levaram muito tempo a aceitar o que nós éramos e somos. Tentávamos fazer algo muito diferente e inovador. E, quando começámos, alguns críticos, que eram um pouco mais velhos, ainda gostavam de heavy rock, de Bruce Springsteen, Led Zeppelin, especialmente na América. E não queriam que isso mudasse, que aparecesse uma banda que poderia deitar tudo isso por terra. E depois havia jornalistas mais novos, que estavam em sintonia com o punk rock. E viam-nos como alguém que queria mudar também esse panorama. Mas na verdade o punk foi o que nos inspirou a fazer o que fizemos, mas de uma forma diferente. Muitos dos jornalistas nesses dias lutavam essencialmente contra a ideia de mudança. Levou algum tempo para que a imprensa mudasse, e conseguisse ter uma visão histórica, reconhecendo o que afinal tinha acontecido. E ao fazê-lo, tudo fez mais sentido, e muitas pessoas passaram a ser mais justas para com a música.

Não lhe parece que, mesmo já neste tempo de reavaliação dos Duran Duran, Medazzaland foi ainda um álbum injustiçado? 
A ser redescoberto... Gosto muito desse disco. Para mim esse álbum e o Pop Trash são o nosso período Low/Heroes. Mergulhámos no nosso próprio universo e os media não se interessaram muito por eles, particularmente o Pop Trash, que foi feito apenas pelo Simon, eu e o Warren. Em Medazzaland ainda havia alguns temas com o John. O que posso dizer? Para mim todos os discos são como meus filhos e são todos importantes, quer tenham vendido mais ou menos. Artisticamente fizemos o que queríamos.

É curioso falar em Bowie (com Brian Eno em Low e Heroes), porque nesses discos os Duran Duran pareceram querer reencontrar as suas raízes, esses dois álbuns sendo aí fundamentais... 
Certamente. Gostamos de fazer coisas nesse sentido. De resto, há dias estávamos a falar no que poderia vir a ser o nosso próximo álbum uma ideia ganhou forma. Temos estado a tocar ao vivo algumas das nossas canções mais antigas, coisas como o Sound Of Thunder [tocado em Lisboa pela primeira vez em mais de 20 anos]. E durante os ensaios reparámos como eram diferentes aqueles arranjos, menos tradicionais. Temos de voltar a perceber porque fizemos aquelas canções daquela maneira e voltar a ser um pouco mais experimentalistas outra vez. Essa seria uma boa ideia para esta formação. Gostamos de escrever boas canções pop, de tentar fazer a canção perfeita, mas ao mesmo tempo podemos ser ousados. No primeiro álbum havia um instrumental de sete minutos. Gostaria de o poder fazer outra vez.

Electric Barbarella não representou já uma ideia de reencontro com esse sentido de construção de canções como faziam no início?
Foi sim, e ao mesmo tempo uma exibição de muito sentido de humor, o que faz também parte do universo dos Duran Duran.

Como reagiu como canções como Serious, Do You Believe In Shame ou Someone Else Not Me se afundaram e desapareceram? 
Obviamente foram momentos de desapontamento. Mas temos de aceitar que por vezes não chegamos a tomar o pulso do público. É uma coisa estranha, que não podemos antecipar... Quando fizemos o Notorious foi claro para nós que o Skin Trade era, de longe, o maior êxito potencial do disco. É claramente a melhor canção do álbum... Mas o Notorious explodiu e só depois lançámos o Skin Trade, que não fez mal, mas não foi tão grande êxito. Foi desapontante, mas ao mesmo tempo mostrou-nos que não podíamos adivinhar. Com este novo álbum começámos muito bem com o Sunrise. Depois editámos o What Happens Tomorrow que se está a portar benzito, mas agora, ao vivo, começamos a compreender que o Nice é um tema favorito em potência. E nem estava na nossa lista de singles! E vai mesmo ser o novo single...

Tinham pensado antes em qual? No Astronaut
Precisamente! Mas não sabemos nunca o que se vai passar com as canções depois de as editarmos. Ainda há dias o Simon estava a tocar o Someone Else Not Me com uma guitarra acústica e fiquei a ouvir. É uma canção bem bonita!

Duran Duran em 1981
Ao longo dos anos 80 passaram de fenómeno global a banda de culto, afinal redescobrindo o que eram no princípio. Concorda com a ideia? 
Sim, concordo. De certa maneira penso que estivemos sempre atentos às nossas raízes. O primeiro álbum, em 1981, foi o nosso manifesto. Era o que sabíamos e queríamos fazer. Tinha temas estranhos e ambientais, canções dançáveis meio punk como o Careless Memories, temas como Girls On Film que também se dançam... Eram as direcções pelas quais queríamos fazer a nossa música. E ainda hoje procuramos as mesmas direcções. Há canções que acabaram fora do alinhamento de Astronaut, algumas delas não chegaram à Internet e ninguém as ouviu nunca. Uma delas chama-se Last Light Of The Day e é uma das melhores canções que alguma vez fizemos, só que ainda não a acabámos. Por isso estou com muita vontade de voltar a pegar nelas... Essa canção seria o nosso Station To Station... É tão ambiental como groovy...

Como é que reagiu aos recentes movimentos de redescoberta de referências nos anos 80, nomeadamente o romo e o electroclash?
O electroclash, particularmente, mostrou algumas promessas. As coisas mais interessantes chegaram da América. Bandas como os The Faint ou Fischerspooner... Mas é difícil que projectos desse género alguma vez possa sonhar com o mainstream. São poucos os projectos essencialmente electrónicos que o conseguem, além claro está dos nomes que estão nas suas fundações. Os Kraftwerk editaram alguns dos mais belos álbuns, assim como os Human League. E eles foram dos poucos que tiveram sucesso comercial. Muitas das bandas electroclash também não tinham grandes canções. Havia um grande sentido de estilo, boas ideias, mas não as canções...

(continua na próxima semana)