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Dmitri Chostakovitch
(1906-1975) |
J. L.: O concerto de quinta-feira à noite na Fundação Gulbenkian (Grande Auditório,
dia 13 – repete a 14, 19h00) fez-se sob o signo do Outono Russo, mais precisamente abrindo um ciclo dedicado às últimas sinfonias de Tchaikovsky. Foi a nº 4 que preencheu a segunda parte, antecedida pela
Valsa-fantasia, de Mikhail Glinka, e pelo
Concerto para Violoncelo e Orquestra nº 2, de Dmitri Chostakovitch, com a extraordinária
Sol Gabetta como solista. Acima de tudo, pairou uma espécie de saudoso encantamento, ligando três obras que preenchem mais de um século de música e história: entre 1856 (Glinka) e 1966 (Chostakovitch), com paragem em 1878 (Tchaikovsky).
Da tradição enraizada num passado multifacetado aos desafios da modernidade, sentimos e pressentimos as convulsões de uma arte sempre enredada na teia de uma complexa identidade. Chostakovitch emerge, inevitavelmente, como palco central de tal dinâmica, ele que foi (e é) o símbolo muito vivo de uma arte obstinadamente de risco, envolvida pela violência normativa das sucessivas configurações do regime comunista. O seu concerto, lançado por um inesquecível "Largo", é a expressão cristalina de um desejo de criatividade sempre a redesenhar as suas fronteiras, superando-as e superando-se até ao nosso presente.
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Sol Gabetta |
N.G.: Foi em clima russo que a noite viveu, uma competente interpretação da
Sinfonia Nº 4 de Tchaikovsky apresentada na segunda parte, um “introdução” feita com a
Valsa-Fantasia de Glinka... Mas foi com Chostakovich, e a presença espantosa de uma violoncelista argentina, que o concerto conheceu o seu “momento”. Datado de 1966 (e correspondendo a um tempo que podemos identificar como o início do seu período tardio), o
Concerto Nº 2 para Violoncelo e Orquestra é um entre os vários exemplos de uma obra que, forçada a viver sob as regras de um regime que opinava e agia sobre a produção artística, por várias vezes teve de saber como contornar obstáculos em favor das suas ideias e não dos desígnios oficialmente aclamados. Seis anos depois de um primeiro concerto para violoncelo, este segundo foi, como o anterior, dedicado ao violoncelista Mitslav Rostropovich. É uma obra desafiante, que aprofunda uma exploração da relação do solista com a orquestra e que abre horizontes a novas estruturas rítmicas. Entre diálogos, jogos de tensão e de fortes contrastes, espaços onde outros instrumentos se destacam (nomeadamente o xilofone) e instantes onde as marcas da cultura popular surgem assimiladas pela orquestra (como sucede no Segundo Andamento, onde uma canção de rua da região de Odessa serviu de fonte de inspiração para o compositor), o
Concerto para Violoncelo e Orquestra Nº 2 de Chostakovich é um monumento que a argentina
Sol Gabetta enfrentou com impressionante entrega. Já gravara a obra em 2008, ao lado da Filarmónica de Munique (em registo para a Sony Classical). E aqui, ao lado da Orquestra Gulbenkian, sob a direcção de Lawrence Foster (no seu décimo ano como titular), ganhou a noite. Tão aplaudida que deu espaço ainda a um breve encore, a solo, ao som de uma impressionante interpretação de
Dolcissimo, uma das partes de
Gramata Cellam (1978) de
Pteris Vasks, onde uma vez mais demonstrou uma muito peculiar e emotiva relação com o violoncelo.