terça-feira, outubro 11, 2011

Para acabar com o cinema português

1. De acordo com os números divulgados pela distribuidora do filme Sangue do Meu Sangue, de João Canijo, a sua performance no fim de semana de estreia traduz-se em 3916 espectadores – um pouco mais de cinco mil, se incluirmos as sessões de ante-estreia. São números positivos, sobretudo se tivermos em conta os desequilíbrios crescentes do mercado, cada vez mais dominado pelos títulos sustentados por grandes campanhas e muitas dezenas de salas (“bons” ou “maus”, não é isso que está em causa).

2. Tendo em conta que Sangue do Meu Sangue estreou em 15 salas, importa reconhecer também que cinco mil espectadores é um valor apenas mediano – mas é uma mediania absolutamente espectacular. Porquê? Porque já é tempo de resistir à demagogia anti-cinema português e lembrar que, todas as semanas, estreiam filmes (a maior parte de origem americana) que fazem valores muito piores. Exemplo? Medo Profundo 3D estreou em 19 salas para fazer, na primeira semana, 1094 espectadores. Vale a pena dar uma vista de olhos, não acidental e determinista, mas regular e atenta, aos números disponíveis no site do Instituto do Cinema e do Audiovisual.

3. Há, de facto, uma chantagem “estatística” que se tem acentuado com os anos e que, escusado será dizê-lo, contribui para reduzir o cinema português a um fenómeno anedótico e descartável. E não tenhamos ilusões: tendo em conta as muitas reacções positivas com que o filme de Canijo foi recebido na imprensa, não faltará quem queira multiplicar o simplismo argumentativo e aponte aí o tradicional divórcio entre “público” e “critica”. São maneiras, afinal, de continuar a mascarar o cruel estado das coisas. A saber: o triunfo televisivo (e económico!) de uma cultura televisiva que, há décadas, forma várias gerações de espectadores na mediocridade telenovelesca, gerando também um ódio preconceituoso contra o simples facto de alguém poder reivindicar a sua pertença a um espaço chamado cinema português. Entretanto, todas as noites, quando vemos uma telenovela a ocupar o horário nobre de um qualquer canal televisivo, contemplamos, de facto, o funeral do cinema português – de todo o cinema português.