1. Ciclicamente, faz sentido perguntarmo-nos qual o lugar específico de intervenção da crítica de cinema.
2. Não é fácil (re)colocar essa questão, quanto mais não seja porque o espaço social (e jornalístico, hélas!) está minado por dois preconceitos de sinal contrário, mas cúmplices:
a) o crítico seria aquele que possui um saber único e irredutível (menosprezando-se, assim, a história plural do próprio pensamento crítico e o carácter relativo de qualquer discurso);
b) o crítico, detentor de um discurso específico, estaria sempre alheado da vida real e popular dos filmes (e esse é um princípio capaz de favorecer todas as demagogias e imposturas culturais).
3. É possível, em qualquer caso, termos (e mantermos) algumas certezas sobre aquilo que é a crítica – e, sobretudo, sobre aquilo que não é jornalismo. Este exemplo, encontrado na Internet, é um caso extremo da degradação de padrões “informativos” que grassa pelo espaço mediático. Assim, na versão portuguesa do site IMDb, antecipa-se o novo filme da série Twilight/Crepúsculo, escrevendo-se uma "notícia" que tem o seguinte título:
>>> Até o varão e os cortinados vão abaixo na cena mais tórrida de «Twiligh Saga: Breaking Dawn Part 1» (com 2 novos clips) <<<
4. O texto em causa arranca desta maneira:
É hoje que o servidor vai abaixo. Foram divulgados dois clips do novo filme da saga Crepúsculo. E nós já desconfiávamos que a cena de sexo de «Twiligh Saga: Breaking Dawn Part 1» iria ser particularmente «agressiva», tal a tensão sexual que se arrastava desde o primeiro filme do franchise. Porém, e pelo que podemos ver – de relance, claro – num dos dois vídeos divulgados, é que até o varão e os cortinados «vão abaixo» quando Edward Cullen (Robert Pattinson) e Bella Swan (Kristen Stewart) consumam finalmente o seu «amor».
5. A qualidade jornalística e moral está ao nível da miséria humana a que chegou a imprensa cor-de-rosa (*). Mas o mais inquietante é sabermos que há em prosas deste calibre uma mensagem “juvenil” implícita (reforçada pelas componentes promocionais dos filmes a que se referem). Que é como quem diz: esta seria um linguagem de jovens e para jovens… A provar, afinal, que, hoje em dia, a desvergonha jornalística não cede perante nada, atrevendo-se mesmo a tentar formatar as ideias daquilo a que chama juventude.
* Não seria necessário esclarecer, mas acrescento: nada disto tem a ver com o filme que serve de pretexto a tão lamentável linguagem (anti-)cinéfila.