A demagogia populista gosta de proclamar que o cinema português não sabe contar histórias sobre o nosso país e as nossas gentes. Mais do que nunca, importa perguntar quem é que os demagogos querem enganar. Porquê? Porque há mais de trinta anos que as alternativas criativas de muita gente (a começar pelo actores) são limitadas pelo poder devastador das telenovelas e... ninguém diz nada. Já é tempo de esclarecer de que modo a formatação narrativa e visual, e também o moralismo histérico, das telenovelas contribuíram para estreitar os modos de ver e pensar de todos nós. Sugere-se mesmo que os idealistas do “serviço público” comecem por aí, por essa paisagem de agonia e ruínas a que chegou a maior parte da nossa produção audiovisual.
Sangue do Meu Sangue, de João Canijo, não será por certo a solução mágica para ultrapassar tal conjuntura. Aliás, também já basta de tratar cada filme português como se fosse um plano quinquenal para corrigir as desastradas opções políticas, económicas e culturais que (não) se têm tomado no nosso espaço audiovisual. Acontece que não é todos os dias que deparamos com um tão fulgurante objecto de cinema, de facto apostado em correr o risco de lidar com a extrema complexidade do nosso quotidiano. E mais do que isso: com a dolorosa desagregação, material e simbólica, do espaço familiar – estreia a 5 de Outubro.