domingo, outubro 16, 2011

Entrevistas de arquivo:
Patrick Wolf, 2005 (parte 2)


No dia que acolhe uma nova passagem de Patrick Wolf por palcos portugueses, recordamos hoje a segunda parte uma entrevista de 2005, publicada então nas páginas do DNmúsica, numa altura em que o músico era quase um ilustre desconhecido, de quem o segundo álbum Wind In The Wires, estava a ser editado entre nós. 

Última Hora: foi cancelado o evento marcado para esta tarde na Fnac Chiado.

Em The Libertine diz que vai “correr o risco de ser livre”. Ser livre é mesmo um risco? 
Creio que sim. As outras canções sublinham essa ideia. Desde sempre sonhei com aquele dia em que faria as malas e me despediria dos amigos por algum tempo, sem olhar para o dinheiro no bolso. Os amigos dizem sempre que somos loucos, que vamos morrer... Há sempre aquela conversa segura de procurar emprego, ir para a universidade. As pessoas más querem-nos travar. Mas era preciso partir.... Ser livre, sentir emoções diferentes. Fugir da mediocridade dos mass media. E esse é uma espécie de mote para o álbum todo.

O que o atrai como letrista?
A escrita é ainda um mundo desconhecido para mim. Tenho sempre uns livros na mala, umas páginas em branco onde escrevo ideias logo que me surgem na cabeça... Há assim uma certa magia no que escrevo.

O poema é motor para o som da canção? 
Nem por isso. Uma canção surge ou na forma de uma melodia ou de um poema. Guardo a ideia na cabeça durante muito tempo. E só depois a tiro do meu corpo como produtor e arranjador, num estúdio de gravação. É um processo complexo.

Tem dado concertos acústicos, mas os seus álbuns são complexos. Como sente as canções despidas ao essencial? 
Nesta digressão tenho apenas um piano e estou em palco com um piano, um ukelele, um violino. É-me difícil explicar assim como a canção foi escrita. Mas é verdade que, apesar do som que apresento no álbum, cada canção pode ser apresentada com um instrumento e uma voz. É entusiasmante mostrar isso em palco.

Usa electrónicas na sua composição. O que o entusiasma nas electrónicas? 
Para mim são como os instrumentos acústicos. Falamos apenas de som. Quando toco o violino faço questão de não o tocar da forma romântica e tradicional. Tento inventar. Com as electrónicas acho que ainda temos muitos sons para explorar e descobrir. Isso atrai-me. Os laptops e a gravação digital são ferramentas fantásticas. Não temos de gastar milhões em estúdios. Em suma, na minha música tento ligar o triste e o alegra, o eléctrico e o acústico, o clássico e a folk, o pop e o rock...

Os opostos...
Para mim tudo é o mesmo, mágico. Há sempre a possibilidade de criar coisas novas. Não vivo obcecado pelos opostos. Não os distingo... falamos de vida, de coisas maravilhosas.

A ideia do desafio a si mesmo é fundamental quando faz um disco? 
As ideias afloram em mim com muita naturalidade, facilidade. Os meus amigos ficavam espantados quando, num dia, aparecia de uma maneira para tomar café e no dia seguinte aparecia com extensões no cabelo e roupas às pintinhas pretas e brancas. Todos os dias são diferentes, uma nova aventura. Por isso sei que não vou ficar colado a uma mesma música por mais de um ano. Já disse ao meu manager e à editora que todos os anos vou aparecer com coisas diferentes, e parecer o oposto do que era antes. Sou assim desde os 11 anos. Talvez aos 40 sinta, finalmente, a necessidade de me desafiar de outra maneira.

A mudança de cor, do louro de Lycanthropy para o moreno de Wind In the Wires é expressão desse desejo de mudança permanente? 
Sim, pode ser. Uma metáfora para a mudança em geral. O lobo (“wolf”) deixar crescer o pêlo. Neste tempo em que toda a gente está tão preocupada em criar imagens icónicas ou em criar uma imagem de marca, um nome, quero antes deixar muitas coisas para trás, ser mil coisas ao mesmo tempo e retratar o caos que existe na vida.

Submeteu uma remistura sua de Army Of Me, de Björk, para inclusão no álbum de solidariedade pela Unicef. E ela escolheu a sua remistura. Chama-se Army Of Klaus. Klaus Nomi? 
Sim, Klaus Nomi. É um dos meus favoritos. Apareceu esta ideia de fazer a remistura parar Björk e imaginei como seria ela e o Klaus Nomi a cantar juntos. Quando tinha 16 ou 17 anos levava sempre um dictafone para os concertos e gravava-os. Gravei um concerto da Björk na Union Chapel no qual ela cantou uma canção da Meredith Monk, outra das minhas cantoras preferidas, chamada Gotham Lullaby. Nesta remistura pude ter a Björk a cantar a canção da Meredith Monk e eu a fazer a minha voz à Klaus Nomi. E juntei-lhe o som de um cravo. Fiz tudo numas duas horas. Foi bem divertido e espero que ela tenha gostado.

Teve ídolos pop nos seus dias de adolescência? 
Tinha os meus ídolos na composição. O Stockhausen, Massaien, Berlioz e Boulez. Pessoas que foram chocantes nos seus dias e desafiaram as mentes e corações do mundo clássico. Gostava também muito do cantor francês Charles Trenet, que fez canções lindíssimas. Mas o maior de todos para mim era o Leon Theremin, o inventor do theremin. Nunca fez música, mas inventou o primeiro instrumento electrónico. E sem ele não teríamos guitarras eléctricas, amplificadores. Foi o primeiro. Mas admirei muitos outros mais... A Joni Mitchell, mais tarde, aos 16 anos. Fez-me sentir que tinha de trabalhar mais como autor de canções, na escrita das letras.