segunda-feira, setembro 12, 2011

Novas edições:
Sérgio Godinho, Mútuo Consentimento


Sérgio Godinho 
"Mútuo Consentimento" 
Universal 
4 / 5 

São 40 os anos de canções gravadas em disco (em nome próprio) que Sérgio Godinho celebra este ano. Na verdade já tinha discos gravados antes do EP Romance de um dia na Estrada que, em 1971, fazia de cartão de visita ao álbum Os Sobreviventes que chegaria só meses depois, em 1972. Já havia, por exemplo, uma colaboração com José Mário Branco no EP Seis Cantigas de Amigo, de 1969. Bom, e se na verdade quisermos o “primeiro” de Sérgio Godinho, então teremos de regressar ao Porto, aos seus dias de estudante de piano, num disco de 78 rotações gravado na Ideal Rádio como presente de aniversário para a sua mãe, em 1955... Mas agora, 40 anos depois do EP que assinalou o início de uma história em seu nome anos depois, em tempo de assinalar um número “redondo” (redondo pelo zero, que o quatro o não é, mas a convenção existe e respeitemo-la), Sérgio Godinho opta por dizer “estou cá” em vez do “andei por aí”. Que é como quem diz, prefere editar um novo álbum de originais em vez de lançar nova antologia ou qualquer outra ideia essencialmente conduzida pela memória. E a verdade é que Mútuo Consentimento, o seu novo álbum de originais é, mais que tudo, um claro depoimento de vitalidade criativa e interpretativa de um veterano que prefere viver o presente em lugar das nostalgias que tantas vezes caracterizam opções editoriais em carreiras com mais que uns dois ou três palmos de mãos de anos de vida.
Foi em 1997, com o soberbo (mas hoje algo injustamente esquecido) Domingo no Mundo, que Sérgio Godinho encontrou novos caminhos para a sua música. Não apenas no momento da descoberta de uma parceria com Nuno Rafael (que com os anos se aprofundou) mas na capacidade em entender quão importante para a renovação de uma linguagem musical pode ser o diálogo. E em Domingo no Mundo encetou uma nova política de abertura a novas colaborações que entretanto ganharam corpo não apenas nos dois títulos de originais subsequentes – Lupa (de 2000) e Ligação Directa (2006) – mas igualmente em parcerias que ganharam forma em discos como Afinidades (em 2001, com os Clã) ou O Irmão do Meio (2003, entre uma multidão de parceiros, de Caetano Veloso a David Fonseca, de Carlos do Carmo a Camané). Mútuo Consentimento é como que o verdadeiro sucessor de Domingo no Mundo, no sentido em que representa novo espaço aberto a várias intervenções, a espantosa valsa assombrada assinada por Bernardo Sassetti em Dias Consecutivos ou o arranjo luminoso de António Serginho em A Invenção da Roda mostrando duas frestas entre as muitas janelas abertas a novas ideias que o disco propõe. O disco abre com Mão na Música, um olhar poético, falado, que no fundo reflecte sobre esta arte essencialmente abstracta onde contudo podemos encontrar sentidos e ideias. E é dessa reflecção que parte um disco que ora comenta o presente em Acesso Bloqueado, ora reencontra um interesse antigo pelos diálogos entre a tradição popular e a pulsão da música urbana em Vai Lá! De paisagens variadas, em canções de “carpintaria cuidada”, entre arranjos de horizontes largos e uma linguagem profundamente pessoal, Mútuo Consentimento é como aqueles álbuns confiantes e seguros do valor da expressão clara de uma identidade como Dylan assinou em Modern Times, McCartney em Chaos and Creation In The Backyard. Os rascunhos que ouvimos há meses na Culturgest viraram Tinta Permanente. E vieram para ficar.