sábado, setembro 17, 2011

Mês Björk (17):
Memórias de um concerto em 2003


Em 2003, um mês antes de regressar para nova actuação em Portugal (para ser a cabeça de cartaz da terceira edição do Optimushype@meco) Björk levou o seu novo concerto a Madrid. Pirotecnia e sobriedade em palco, evitando o esperado registo 'best of'... Este texto foi originalmente publicado na edição de 3 de Junho de 2006 do DN. 

Em sincronia com as últimas notas de uma nova versão de Human Behaviour, um derradeiro festival de fogo de artifício fechava com olhares de espanto e satisfação uma incrível actuação ao vivo. Um espectáculo diferente do percurso de micropormenores e sussurros dos concertos que acompanharam o álbum Vespertine (2001). Todavia, contra o que se podia imaginar de uma digressão de Verão, essencialmente desenhada entre festivais, Björk não cedeu ao óbvio e evitou o registo best of. Não faltam «singles», mas a proposta de espectáculo parte de uma ideia musical e visual apurada, que pede cardápio de temas escolhidos a rigor em função dos ambientes, e não o rol de êxitos para levar a plateia ao êxtase. O encanto da multidão (e deviam ser uns dez mil em Madrid) garante-se não só pela solidez da admiração pela islandesa como por uma concepção de espectáculo que integra deslumbrantes momentos de pirotecnia e um alinhamento pensado para seduzir e depois arrebatar.

Ao som de Pagan Poetry e de uma manifestação de entusiasmo que mostrava plateia rendida antes mesmo de a primeira nota ser cantada, Björk entrou em palco envergando um novo vestido preto que lembra um cisne, revelando ainda o seu novo corte-tijela, à la Beatriz Costa. Ao longo do concerto, dançou, descalça, rodopiou. E aproveitou depois a pausa entre o alinhamento principal e o encore para envergar outro trapinho sofisticado, este sugerindo então uma flor branca hexagonal... Para o aparato visual do espectáculo contribuiu também, além das poses e indumentárias da islandesa, todo um design de efeitos de pirotecnia, ora com jactos de fogo no palco (quase na melhor tradição heavy metal), ora com fogo preso ou foguetes, alguns destes lançados em sincronia com certos episódios de maior intensidade rítmica.  

Homogenic foi o álbum mais vezes revisitado ao longo do concerto, permitindo-nos reencontros com monumentos como Hunter, Joga, Bachelorette, All Is Full Of Love ou os menos mediático Five Years e Pluto (este último transformado em registo house encorpada, à la Underworld). De Vespertine a lista de memórias ficou reduzida a Heirloom e An Echo A Stain, sendo que esta etapa criativa esteve ainda representada por lados B de singles (como Generous Palmstroke ou You've Been Flirting Again) e pelos inéditos apresentados no best of do ano passado: Nature Is Ancient (um dos raros momentos que permitiu o destapar do ecrã vídeo, no qual foi projectado o genial teledisco de Spike Jonze) e It's In Our Hands (aqui num inesperado afloramento de calor electro, segundo as pistas da fabulosa remistura dos Soft Pink Truth, que haviam assegurado a primeira parte).

Nesta recta final do concerto, já em clima dançável, Pedro Almodóvar não escondia o entusiasmo, diluído entre a multidão. Em palco Björk contou com os Matmos, cordas e harpa, e estreou Desired Constellation e Nameless, inéditos a revelar ainda rumo perdido entre Vespertine e Homogenic. Não há perigo! Com a dose de edições de baú nos próximos meses, não deverá haver novo álbum assim tão depressa!