Este texto foi originalmente publicado na edição de 23 de janeiro de 2004 no suplemento DNmais, com o título "Arquivo digital". Apresentava a forma como Björk continuava então a construír uma videoteca em DVD com a edição de três novos títulos: dois documentários e uma compilação de actuações televisivas.
Construindo, aos poucos, um verdadeiro arquivo de memórias visuais, Björk tem vindo a editar, regularmente, DVDs nos quais assegura o registo de diversas etapas da sua carreira. A colecção começou por percorrer as suas diferentes digressões ao vivo, cedo abrindo também espaço para a documentação de actuações televisivas (entre as quais o inesquecível Unplugged da MTV). Desta feita, ao lançar três novos títulos, aposta claramente na televisão, através de dois documentários e da recolha das actuações no programa Later de Jolls Holland, um clássico musical da BBC. O mais interessante dos três DVDs agora editados é Minuscule, um documentário de 70 minutos que corre pelos bastidores da digressão que acompanhou o lançamento do álbum Vespertine. Pensada para salas de ópera e igrejas, foi uma experiência de desafio diferente das anteriores etapas de estrada, muito devendo ao carácter intimista e meticuloso do álbum Vespertine, afinal, o natural ponto de partida para os espectáculos. Dividido em cinco capítulos, o documentário começa por retratar a construção de Vespertine, um álbum que Björk descreve como um disco interior, introvertido, resultado de uma obcessão pelo seu computador portátil, pela escuta com headphones, pelo pormenor e pela busca de picos emocionais silenciosos e tranquilos. Afinal, o oposto exacto do anterior Homogenic. Verdadeiro microcosmos de acontecimentos, Vespertine nasceu da demanda do pequeno, do detalhe, que depois acaba amplificado. "Como a fotografia de uma célula", descreve Björk . E acrescenta: "queria procurar a forma de expressão possível depois de se ter explodido cinco mil vezes e de nada ter ficado depois. Cria-se assim uma música sem fisicalidade, sem corpo. Uma música que nos faz esperar até nos sentirmos novamente fortes"...
Estas e outras palavras, em duas entrevistas distintas, não deixam dúvidas quanto ao plano concreto que ditou os caminhos percorridos pelo álbum que serviu então de mote a uma longa digressão mundial (q ue nos visitou apenas numa segunda etapa, já em clima outdoor na edição 2003 do Festival do Meco). Segue-se um mergulho bem explicado sobre os bastidores da digressão, com comentários dos diversos participantes em palco. Os Matmos começam por explicar o que Björk deles pretendia, tendo dedicado oito meses de trabalho à confecção integral de batidas para todas as canções (novas e antigas). Zeena Parkins, a harpista, relata também o seu relacionamento com um instrumento que encanta Björk desde a sua infância.
O quadro termina com algumas palavras soltas de elementos do coro feminino que a cantora islandesa juntou aquando de umas férias na Gronelândia. "Nas audições havia umas que cantavam canções tradicionais inuit e outras que, por saber que eu era uma pop star europeia, resolveram interpretar temas dos Abba", recorda Björk . Memórias de digressões anteriores passam também pelas palavras de Björk . Explica que, com o tempo, foi aumentando o grau de liberdade concedido aos músicos que a acompanham. De resto, confessa que gosta de ser surpreendida em palco, realidade frequente nesta última digressão sobretudo devido ao árduo trabalho diário de confecção de ruídos por parte dos Matmos. Além das diversas entrevistas, Minuscule inclui algumas imagens captadas em palco durante a digressão, todavia sem o glamour habitual em registos vídeo ao vivo. São planos únicos, atentos sobretudo ao jogo de complementaridade entre o que se vê da plateia e o que se move nos bastidores. Não faltam também imagens de ensaios de sound check. Mas, contra o que é tradicional em documentários sobre a vida na estrada de uma digressão, não se mostram aqui imagens de devassa do que acontece fora da sala de espectáculos.As palavras e os conceitos são protagonistas únicos neste interessante documentário.
Um segundo documentário surge com esta série de edições. Trata-se de Inside Björk , um percurso histórico e biográfico da obra da cantora, desde os dias da sua infância em Reykjavik até ao presente.Realizado por Chris Walter este é um interessante documento complementar à compilação Greatest Hits lançada em 2002 e faz questão de alinhavar cronologicamente todas as etapas fundamentais da evolução da carreira de Björk , não esquecendo o seu primeiro álbum (gravado em islandês, muito antes dos Sugarcubes), os dias de vivência punk na Islândia de 80, o contacto precoce com as electrónicas através dos 808 State e a descoberta de uma voz própria. Apenas para fãs preocupados em possuir uma integral da obra videográfica de Björk , Later é uma recolha de sete actuações gravadas ao vivo no programa com o mesmo nome que Jools Holland semanalmente apresenta na BBC. Canções como Hyperballad, Venus as A Boy, Bachelorette, Joga ou So Broken, em registos gravados entre 1995 e 2001 são assim reunidas num mesmo DVD.