A 15ª edição do Queer Lisboa começou sob o signo da palavra. Ou, para sermos fiéis à vertiginosa pluralidade da escrita de Allen Ginsberg: das palavras – plural. O filme Howl, de Rob Epstein e Jeffrey Friedman (a ser lançado nas salas, no dia 22, como Uivo), não é tanto uma evocação histórica do seu lendário poema como uma celebração das suas palavras. Ou melhor: da sua esplendorosa irredutibilidade.
Combinando a ficção protagonizada pelo magnífico James Franco com derivações em desenho animado (e, pontualmente, alguns fragmentos documentais), o trabalho de Epstein/Friedman consegue definir um labirinto cuja progressão se confunde, afinal, com o labor da escrita: seguimos as palavras de Howl como quem faz o inventário da sua frondosa criatividade, incluindo as arestas dos sons, as metáforas fulgurantes e também os sentidos incertos, hesitantes, trágicos, sarcásticos. Tudo isso numa vertigem formal que, por calculado paradoxo, reencontra a grande tradição do cinema liberal de Hollywood, reencenando a intransigente solidão do indivíduo perante as razões do sistema colectivo.
Moral da história: as palavras, desta vez, não foram queimadas e a obscenidade de que Ginsberg foi acusado deu lugar à "maquinaria da noite", abrindo as vias misteriosas e universais do sagrado.