segunda-feira, setembro 12, 2011

"Eu" e o 11 de Setembro

2001: Odisseia no Espaço (1968)
A. Penso, logo existo – a máxima do racionalismo cartesiano garante-nos uma tentadora ilusão de plenitude. É bem verdade que, entre finais do século XIX e as primeiras décadas do século XX, Marx e Freud se encarregaram de expor o impensado dessa mesma frágil plenitude: o primeiro, mostrando-nos que não sabemos o que a economia faz do nosso trabalho; o segundo, lembrando-nos que o sexo que vivemos não é o mesmo que tentamos ordenar nas nossas parcas palavras. Ainda assim, alimentados agora pela cultura paroquial da “transparência” televisiva, insistimos em acreditar (ou fingir acreditar...) que pensamos, dizemos o que pensamos e existimos sempre num mesmo plano de equilibrada nitidez. Já nem sequer aplicamos a noção de social, a não ser para nos garantirmos que estamos "em rede", isto é, que inventámos a arte funesta de socializarmos através de gráficos pueris de “gosto/não gosto”, dispensando o vírus ancestral do tacto e o enigma salivado dos beijos.

B. Resumindo, porventura um pouco à maneira dos telejornais: damos um salto trágico até ao dia 11 de Setembro de 2011 e deparamos com a magia errática das imagens: se aquilo está a acontecer, como posso ainda dizer “eu”? Sou um sujeito (talvez um objecto) que se confunde com o silêncio, televisivo e irrecuperável, das vítimas? Ou será que ainda consigo encontrar alguma réstea de identidade na nitidez das próprias imagens e na felicidade zombie da sua infinita repetição?

C. No ano de 1968, Stanley Kubrick fez um filme sobre o ano 2001, precisamente. Se nele havia algo de genialmente premonitório, não era tanto no jogo da “antecipação” factual ou científica, mas sim na metódica rarefacção do humano. David, o astronauta que desafiava o “Golias” computador (Hal, de seu nome), descobria que dizer “eu” à própria máquina era o princípio de um glorioso equívoco que desembocava no paciente desmantelar das suas entranhas informáticas (da máquina, entenda-se...). Depois, a perdição de David numa solidão literalmente galáctica conduzia-o a um espaço, virtual, hélas!, em que todas as referências temporais se tocavam, confundiam e, de algum modo, anulavam. Na sua agonia mecânica, à beira da extinção material, mas não conceptual, o computador perguntava-lhe: “What are you doing, Dave?” Era uma voz suave, sem grão, posterior a qualquer êxtase, afinal completamente do lado da morte.