Esta primeira página do jornal i (28 de Setembro) é apenas um sintoma de um fenómeno que hoje, uma vez mais, contaminou o dia da imprensa, rádio e televisão – a ponto de sentirmos que o quotidiano é feito dos ecos incestuosos das linguagens informativas. Chamemos-lhe: o infantilismo mediático das efemérides.
Não se trata de moralizar sobre o valor simbólico dessas mesmas efemérides. Afinal de contas, também aqui propusemos as nossas leituras e imagens em torno dos dez anos passados sobre os atentados de 11 de Setembro de 2011. E, num plano mais pessoal, todos temos os nossos dias de aniversário... Trata-se, isso sim, de questionar um imaginário "informativo" que vive num delírio de intensificação de tudo o que possa ser pretexto para gerar um simulacro de história – ou História, tanto faz.
Que sentido faz acreditar, ou fazer acreditar, que ao centésimo dia da sua gestão um governo, qualquer governo, entra numa espécie de miraculosa significação? Não ao 99º. Não ao 101º. Mas naquela viragem (?) em que a contagem parece apaziguar-se na neutralidade dos zeros, gerando qualquer coisa de simbolicamente incontornável.
Escusado será dizer que semelhantes rituais servem para tudo menos para discutir/pensar a política, seja ela qual for. E que sejam 100 dias, eis o que é ainda mais significativo da obscena aceleração em que somos compelidos a viver. Já nem se trata de esperar, por exemplo, 1000 dias, apesar de tudo quase uma legislatura (no nosso sistema eleitoral). Mas de deixar passar uns banais três meses e reconfigurar todos os sentidos do mundo. Ou ainda: porque passaram 100 dias, tudo tem que fazer algum sentido.
Já faltou mais para estarmos enredados nos debates, inquéritos e comentários dos 10 dias de governo... Eis uma suposição anedótica, mas os tempos ensinam-nos que a gestão mediática da política, incluindo a que é feita pelos próprios políticos, há muito deixou de recear o anedótico.