1978, A Hipótese do Quadro Roubado |
Raúl Ruiz realizou esse filme extraordinário que é A Hipótese do Quadro Roubado (1978) num altura em que a discussão dos limites (técnicos e ontológicos) do cinema se agudizava. Poucos anos antes, com o decisivo Número Dois (1975), Jean-Luc Godard tinha anunciado a estranheza de uma conjuntura que, hoje em dia, se banalizou: o video deixava de ser um outro mundo, para passar a existir como um instrumento que estava a contaminar, porventura a perverter, todo o edifício cinematográfico e cinéfilo.
Ao encenar a relação de um coleccionador com as suas pinturas e, em particular, com um mítico "quadro roubado", Ruiz superava qualquer discurso tradicional sobre a arte e os artistas, devolvendo-nos uma interrogação desconcertante: será que a figuração (pictórica, cinematográfica) não se limita a "reproduzir" o real, antes o integra, faz e refaz, apontado-o como a derradeira ilusão?
Nas incríveis imagens a preto e branco, fotografadas pelo genial Sacha Vierny, deparamos com a própria problematização formal desta inquietação das formas. Dito de outro modo: muito antes da avalancha (e também dos equívocos) do digital, Ruiz confrontava-nos com a indizível ambiguidade das imagens. Com suprema ironia, convém não esquecer.