Notável director de fotografia, Acácio de Almeida tem uma trajectória profissional que há muito transcendeu o domínio português — este texto foi publicado no Diário de Notícias (17 de Agosto), com o título 'Luzes e cores de Acácio de Almeida'.
Vi recentemente dois belos filmes portugueses, a lançar durante o mês de Setembro: Cisne e A Morte de Carlos Gardel (estreias a 8 e 22, respectivamente). No primeiro, Teresa Villaverde prolonga o seu labirinto de muitas solidões, sempre em íntima ligação com o universo da infância; no segundo, Solveig Nordlund parte do romance homónimo de António Lobo Antunes para construir uma perturbante teia dramática que envolve a saga familiar de um jovem toxicodependente. São dois filmes que, além do mais, possuem um importante nome comum: ambos contam com a impecável direcção fotográfica de Acácio de Almeida, talentoso veterano do cinema português.
Vivemos num contexto de perversa desvalorização dos profissionais portugueses de cinema. Desde logo, porque o triunfo (estético, económico e simbólico) dos registos “telenovelescos” impôs um sistema de valores que tende a menosprezar as qualidades específicas de quem faz, ou tenta fazer, cinema. Depois, porque a escassa presença dos filmes portugueses nas estatísticas do mercado (somos dos países europeus com pior performance da produção cinematográfica nacional) vai sustentando muitas formas de demagogia social e cegueira cultural. A esse propósito, e para começarmos a compreender as fragilidades do nosso mercado, seria salutar discutir um pouco os efeitos de décadas e décadas de desvalorização (televisiva) do cinema.
Além do mais, o trabalho de Acácio de Almeida simboliza uma salutar agilidade criativa que se traduz na disponibilidade para lidar com os contrastes da própria técnica: Cisne é rodado em película “tradicional”, enquanto A Morte de Carlos Gardel tira partido dos recursos das modernas câmaras digitais. Em ambos os casos, deparamos com uma muito clássica (e sofisticada) capacidade de lidar com as fontes de luz natural, ao mesmo tempo explorando uma paleta de cores que não se sobrepõe à narrativa, antes potencia as suas componentes dramáticas.
Em boa verdade, podemos encontrar esse tipo de atitude em momentos emblemáticos de uma filmografia com mais de quatro décadas. Antes do mais, em filmes das cineastas que Acácio de Almeida aqui reencontra: foi ele que fotografou, por exemplo, Nem Pássaro Nem Peixe (Solveig Nordlund, 1977) e Os Mutantes (Teresa Villaverde, 1998). Depois, em títulos que, no contexto português e internacional, já adquiriram o estatuto de clássicos. Penso, por exemplo, em O Passado e o Presente (1972), de Manoel de Oliveira, Brandos Costumes (1975), de Alberto Seixas Santos, Trás-os-Montes (1976), de António Reis e Margarida Cordeiro, e A Cidade Branca (1983), de Alain Tanner. Este último, há pouco reeditado no mercado de DVD, transformou-se mesmo num cartão de visita internacional da cidade de Lisboa: ironicamente, uma certa imagem de marca, poética e metafísica, da nossa capital continua a passar pelo olhar de um cineasta suíço.