Nicholas Ray nasceu a 7 de Agosto de 1911, faz hoje 100 anos. Quando faleceu (a 16 de Junho de 1979), deixou uma herança que, desde Os Filhos da Noite até We Can't Go Home Again, ajudou a definir (e superar) as bases daquilo que ficou como o classicismo de Hollywood — sempre envolvendo uma afirmação individual(ista) dos respectivos criadores. O texto que se segue foi publicado no Diário de Notícias (6 de Agosto), com o título 'Os filmes da nossa imaginação'.
Como poucos autores da história do cinema, americano ou não, Nicholas Ray foi um poeta cúmplice das alegrias e tristezas das suas personagens mais jovens. Há em Os Filhos da Noite (1949) ou Fúria de Viver (1955) uma energia paradoxal que nos leva a sentir esses jovens como personagens à procura, não apenas de um lugar para viver, mas de uma ficção em que se possam exprimir.
Em termos meramente sociológicos, isso pode dizer-se assim: Ray foi um dos impulsionadores de uma nova imagem da juventude, enraizada nos tempos efémeros e na iconografia sensual de James Dean. A sua herança é tão rica e, em muitos aspectos, tão comovente que basta para desmanchar o ridículo existencial e a impostura filosófica de todos os Morangos com Açúcar com que se alienam as camadas juvenis (é verdade: terá chegado o tempo de recuperar o valor político da noção de alienação).
O alemão Wim Wenders, discípulo de Ray, compreendeu de forma modelar essa herança. A partir dela fez Lightning Over Water (1980), também conhecido como Nick’s Movie (entre nós editado em DVD como Um Acto de Amor): é um documento íntimo sobre os derradeiros meses de vida de Ray, filmado com a precisão de quem, nem que seja por frágil obstinação, resiste à nitidez avassaladora da morte.
Lightning Over Water define uma espécie de testamento simbólico, de algum modo completado, ou antecipado, por We Can’t Go Home Again (1976), realizado por Ray, com os seus alunos, na Universidade de Binghamton (Nova Iorque). Pela diversidade dos materiais (Super 8, 16 e 35 mm) e pelo sentido experimental da montagem, We Can’t Go Home Again transporta a mais cândida das mensagens: no cinema, tudo continua a ser possível. Até mesmo viver a vida através dos filmes que imaginamos.
>>> Site da Fundação Nicholas Ray (inclui informação sobre as comemorações do centenário no Festival de Veneza).
>>> Nicholas Ray no Senses of Cinema.